domingo, 30 de março de 2008

Filosofia da Educação - (Aula do Dia 29/03/2008) - Turma de Itu

"Os homens se humanizam trabalhando juntos para fazer do mundo, sempre mais, a mediação das consciências que se coexistenciam na liberdade".

(Ernani Maria FIORI)

FILOSOFIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Prof. José J. F. Lara

Gostaria primeiramente de observar que fui solicitado para uma conversa e não para uma conferência. Isso me deixou muito à vontade, pois, conversa supõe diálogo e o diálogo é como que a casa da Filosofia, desde os seus primórdios. Sócrates foi um mestre do diálogo e Platão nos legou “Diálogos”. Pretendo, pois, quanto possível dialogar e não monologar. Peço, assim, que as minhas palavras iniciais sejam encaradas como um convite ao diálogo e não como uma conferência.

1. O que é filosofia? Para que filosofar?

No mundo pragmático em que vivemos, a filosofia parece não servir para absolutamente nada. Ela não consta das rubricas orçamentárias, não tem dotação , não recebe verbas específicas... Mal consta dos currículos escolares e os filósofos são, em sua maioria, uns ilustres desempregados...

No entanto, ela serve, ou melhor, comanda tudo. Está presente em qualquer decisão séria que tomamos, em qualquer estratégia que implantamos. Pode-se dizer que ela é onipresente. Conforme Jaspers (1977. p.13) “a filosofia é imprescindível ao homem. Está sempre presente e manifesta nos provérbios tradicionais, em máximas filosóficas correntes, em condições dominantes, quais sejam, por exemplo, a linguagem e as crenças políticas”.

É interessante notar que as grandes crises históricas foram férteis em pensamento filosófico. Após a grande crise européia conseqüente à invasão dos bárbaros, surgiram as grandes sínteses da Idade Média. A revolução copernicana que deu origem ao mundo moderno fez aparecerem as filosofias racionalistas. À Segunda Guerra Mundial seguiu-se o existencialismo...Nosso mundo, nosso país estão certamente em crise. Estamos sentados sobre um vulcão que ameaça explodir. E já se esboçam linhas novas de concepção filosófica.

Haverá uma relação necessária entre crise e filosofia? De certo. A crise produz o que os gregos denominavam “thaumásia”, ou seja, admiração, pasmo, espanto que eles apontavam como sendo a origem do pensar filosófico. Jaspers (ib) acrescenta que a consciência do que ele chama “situações-limite” – ter de morrer, ter de sofrer, ter de lutar, estar sujeito ao acaso e incorrer inelutavelmente em culpa - também nos leva a filosofar. Não será porque esta consciência nos põe também ela em crise, causando espanto ou pasmo, a thaumásia dos gregos?

Poderíamos, talvez, dizer que a crise gerando o espanto ou pasmo, torna-nos conscientes de nossa fragilidade física, intelectual, social ou moral, levando-nos a encarar a realidade como um problema na acepção que lhe dá Julián Marías (apud Saviani, l980. p.20) de situação dramática em que se está e não se pode mais continuar, exigindo, assim , uma solução. Ou seja, a crise, transformada em problema, desperta a reflexão ou “ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, vasculhar numa busca constante de significado” (Saviani, 1980. p 23). Quando esta reflexão se torna, acrescenta Saviani (ib) radical, rigorosa e global ou de conjunto nasce a filosofia.

Ao dizermos reflexão radical, devemos entender a expressão em seu sentido literal: trata-se de uma reflexão que vá à raiz dos problemas, buscando atingir suas últimas e mais profunda ramificações. Quando dizemos que a reflexão deve ser rigorosa, entendemo-la como sistemática e metódica. A reflexão deve ser ainda global ou de conjunto, isto é, realizada de modo a abarcar todos os dados, de modo a não deixar escapar nenhum fio condutor no difícil trabalho de discernir no emaranhado das raízes as imbricações fundamentais.

Resumindo, podemos com Saviani (1980. p.27) afirmar que “a filosofia é uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas que a realidade apresenta”.

Já se vê que a filosofia é, antes de mais nada, uma atitude e uma tarefa das quais resultam “filosofias” como produto. Atitude ou disposição de amor à verdade, que supõe, sobretudo, muita humildade e nenhuma arrogância de espírito, como afirma Jaspers (1977. p 14), ao explicar o significado, a um tempo etimológico e histórico, do termo: “A palavra grega ‘philósophos’ foi formada em oposição a ‘sophós’ e significa “o que ama o saber”, em contraposição a ao possuidor de conhecimentos (dono da verdade) que se designava por sábio. Este sentido da palavra manteve-se até hoje: é a demanda da verdade e não a sua posse que constitui a essência da filosofia...”

Das crises, portanto, surgem as filosofia como fruto da necessidade humana de compreender a realidade e de fundamentar a ação que visa a transformá-la.

Será a filosofia algo de intermitente, que apenas de vez em quando desponta ao longo da história? Não, pois a história é - e cada vez mais - uma longa e funda crise na qual há, certamente, períodos mais dolorosos e enfáticos, mas que por sua contínua e surpreendente novidade está sempre a nos chocar, suscitando-nos, em conseqüência, uma atitude constante de reflexão e de busca. A filosofia é, assim, onipresente, pois, se ninguém escapa ao mundo e à história, ninguém, a não ser por demência, escapa à crise: “Não se pode fugir à filosofia. Pode-se perguntar apenas se ela é consciente ou inconsciente, boa ou má, confusa ou clara. Quem recusa a filosofia está realizando um ato filosófico de que não tem consciência” (Jaspers, 1977. p.13).

A afirmação final de Jaspers não faz mais que atualizar o velho argumento aristotélico: “Ou se deve filosofar, ou não se deve filosofar. Se não se deve filosofar, isto só em nome de uma filosofia. Portanto, mesmo que não se deva filosofar, deve-se filosofar(cf. Bochenski, 1973. p. 23).

“Me philosophetéon, philosophetéon”, declarava Aristóteles: mesmo que não se deva filosofar, deve-se filosofar. Não há como fugir à filosofia. É verdade que nem todos têm condições de estabelecer uma reflexão que vá até as raízes, que siga com rigor um método, que possua todos os dados necessários a uma visão de conjunto da realidade, sobretudo se considerarmos que esses dados se avolumam e complexificam, à medida que avançam as ciências. Todos tentam, entretanto, consciente ou inconscientemente, com os recursos de que dispõem, com as informações que têm à mão, dar uma resposta aos problemas fundamentais, explicar as “situações-limite”, dar um sentido à vida e à realidade: todos, de algum modo, filosofam.

Uma observação final deve ser ainda acrescentada: “Filosofar significa estar a caminho. As interrogações são mais importantes que as respostas e cada resposta se transforma em nova interrogação” (Jaspers, 1977. p 14). A filosofia é aberta, por mais que o filósofo pretenda dar respostas definitivas. A realidade é rebelde e não se deixa apanhar com facilidade em nossas redes de compreensão. É por demais complexa e dinâmica para que possamos emitir sobre ela uma palavra definitiva. Nem sempre – e isso ocorre com freqüência – consideramos todos os dados disponíveis ou escolhemos as informações capazes de nos conduzirem à raiz mestra dos problemas ou das crises. Ou, então, quando parece que a atingimos, damo-nos conta de que ainda estamos na superfície e de que é necessário cavar mais fundo: “cada resposta se transforma em nova interrogação”. Não importa o esforço! É melhor seguir que estagnar. Além disso, não caminhamos sozinhos. O que não descobrimos, outros descobrem ou descobrirão e nossas chamas juntas tornarão o mundo, se não transparente, pelo menos mais claro!

A filosofia é, pois, imprescindível. Não serve para nada e serve para tudo. Não há como negá-la: ela se impõe por si mesma! Refugá-la, só deixando de ser o que somos: consciências que refletem num mundo em permanente crise, num constante devir.

II – Para que Filosofia da Educação?

Talvez seja mais pertinente perguntar: para que filosofia na educação? A resposta é simples: porque educação é, afinal de contas, o próprio “tornar-se homem” de cada homem num mundo em crise.

Não há como educar fora do mundo. Nenhum educador, nenhuma instituição educacional pode colocar-se à margem do mundo, encarapitando-se numa torre de marfim. A educação, de qualquer modo que a entendamos, sofrerá necessariamente o impacto dos problemas da realidade em que acontece, sob pena de não ser educação. Em função dos problemas existentes na realidade é que surgem os problemas educacionais, tanto mais complexos quanto mais incidem na educação todas as variáveis que determinam uma situação. Deste modo, a “Filosofia na educação” transforma-se em “Filosofia da Educação” enquanto reflexão rigorosa, radical e global ou de conjunto sobre os problemas educacionais. De fato, os problemas educacionais envolvem sempre os problemas da própria realidade. A Filosofia da Educação apenas não os considera em si mesmos, mas enquanto imbricados no contexto educativo.

Penso que disto decorrem duas conseqüências muito simples, óbvias até! A primeira é que todo educador deve filosofar. Melhor ainda, filosofa sempre, queira ou não, tenha ou não consciência do fato. Só que nem sempre filosofa bem. A este respeito afirma Kneller (1972. p. 146): “se um professor ou líder educacional não tiver uma filosofia da educação, dificilmente chegará a algum lugar. Um educador superficial pode ser bom ou mau. Se for bom, é menos bom do que poderia ser e, se for mau, será pior do que precisava ser”.

Que problemas no campo da educação exigem de nós uma reflexão filosófica, nos termos acima explicitados? São muitos. Permitam-me apontar apenas alguns.

Já que a educação é o processo de tornar-se homem de cada homem, é necessário refletir sobre o homem para que se possa saber o “para onde” se deve orientar a educação. É necessário, porém, que esta reflexão não seja unicamente teórica, abstrata, desencarnada. É preciso levar em conta a situação espácio-temporal em que ocorre o processo. Com efeito, não importa apenas o “tornar-se homem”, mas o “tornar-se homem hoje no Brasil”. Só desta forma podemos estabelecer com clareza o que, por exemplo, se tem convencionalmente chamado de “marco referencial”, a partir do qual, numa instituição educativa, currículo, planejamento e atividades podem atingir um mínimo de coerência e de eficiência.

Que teoria de aprendizagem adotar? Que métodos e técnicas utilizar? Já afirmavam Binet e Simon correr “o risco de um cego empirismo quem se conforma em aplicar um método pedagógico sem investigar a doutrina que lhe serve de alma”. Não há métodos neutros. Não há técnicas neutras. No bojo de qualquer teoria, de qualquer método, de qualquer técnica está implícita uma visão de homem e de mundo, uma filosofia.

A filosofia é, assim, norteadora de todo o processo educativo. O maior problema educacional brasileiro sempre foi e ainda é, a meu ver, o denunciado por Anísio Teixeira no título de uma de suas obras principais: “Valores proclamados e valores reais na educação brasileira”. Quer em nível de sistema, quer em nível de escola, proclamamos belíssimos princípios filosófico-educacionais. Na prática, entretanto, caminhamos ao sabor das ideologias e das novidades e – o que é pior – sem nos darmos conta da incoerência existente entre nossas palavras e nossos atos.

A segunda conseqüência a ser tirada do que antes dissemos é que também o educando deve filosofar, ou seja, deve refletir sistematicamente, buscando as raízes dos problemas - seus e de seu tempo - de modo a formar uma “visão de mundo” e adquirir criticamente princípios e valores que lhe orientem a vida. Só assim serão homens e não robôs. É preciso, pois, municiá-lo de instrumentos racionais e afetivos para que se habitue a ser crítico, a não se contentar com qualquer resposta, a colocar sempre e em tudo uma pitada razoável de dúvida, a cavar fundo e não se intimidar perante a tarefa ingrata de estar sempre questionando e se questionando.

A partir de minha já longa experiência de magistério, posso afirmar que há sempre fome de filosofia. Basta levantar um problema nos termos acima descritos para que se alcem as antenas, sobretudo as juvenis! Talvez porque, tendo uma percepção não muito nítida, mas agudamente sentida da crise, faltem aos jovens o instrumental necessário para explicitá-la, analisá-la e julgá-la, em razão do banimento a que assistimos da filosofia, até mesmo de nossos currículos escolares.

Conclusão

Não há, portanto, como fugir à filosofia no campo da educação. Ela se relaciona intimamente com a função nem sempre levada a sério e, não obstante, fundamental, de avaliar. De fato, a avaliação resume, de certo modo, ou acompanha, como um vetor ou como um eixo orientador, todo o processo educacional. Ela se faz presente no início do processo, ao estabelecermos as metas; no seu decurso, quando traçamos e executamos as estratégias; no final, quando julgamos o que e quanto foi cumprido. Ora, avaliar é emitir juízos de valor e estes implicam sempre, queiramos ou não, consciente ou inconscientemente uma posição filosófica, uma filosofia.

Uma palavra, talvez, resuma tudo o que tentamos dizer: a filosofia é o aval da educação!

Referências bibliográficas

BOCHENSKI, J. M. Diretrizes do pensamento filosófico. São Paulo: EPU, 1973. 119 p.

JASPERS, Karl. Iniciação filosófica. Lisboa: Guimarães, 1977. 173 p.

SAVIANI, Dermeval. Educação; do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1980. 224 p.

KNELLER, Georges. Introdução à filosofia da educação. 4.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. 167 p.

Extraído de Estudos Leopoldenses, São Leopoldo, v. 21, n. 85, p. 29-36. Revisado e modificado pelo autor em 18/02/2001

Texto Complementar:

O papel social do professor: uma contribuição da filosofia da educação e do pensamento freireano à formação do professor

Maria José Ferreira Ruiz

1. INTRODUÇÃO

Vive-se um momento de profundas transformações. Não se sabe ao certo para onde se caminha e nem qual o caminho a trilhar. A sociedade atual encontra-se em profunda crise, na qual somos remetidos a repensar nossos valores e atitudes. Como nos aponta Gramsci, citado por Gadotti (1998, p. 86), «vivemos um momento histórico no qual o bloco hegemônico dominante entra em crise, frente à ameaça de um novo bloco histórico».

Nesse contexto incerto, o papel do profissional da educação precisa ser repensado. Segundo Gadotti (1998), faz-se mister que o professor se assuma enquanto um profissional do humano, social e político, tomando partido e não sendo omisso, neutro, mas sim definindo para si de qual lado está, pois se apoiando nos ideais freireanos, ou se está a favor dos oprimidos ou contra eles. Posicionando-se então este profissional não mais neutro, pode ascender à sociedade usando a educação como instrumento de luta, levando a população a uma consciência crítica que supere o senso comum, todavia não o desconsiderando.

Nessa perspectiva, entende-se que o povo de posse desse saber mais elaborado poderá vir a ter condições de se proteger contra a exploração das classes dominantes se organizando para a construção de uma sociedade melhor, menos excludente, e realmente democrática. Não se pode esperar que tal organização brote espontaneamente, mas sim por meio da educação que pode caminhar lado a lado com a prática política do povo. Sendo assim, o profissional da educação assume aqui um papel sobretudo político.

Educadores e educadoras precisam engajar-se social e politicamente, percebendo as possibilidades da ação social e cultural na luta pela transformação das estruturas opressivas da sociedade classista. Para isso, antes de tudo necessitam conhecer a sociedade em que atuam, e o nível social, econômico e cultural de seus alunos e alunas.

Precisam entender também que, analisando dialeticamente, não há conhecimento absoluto, pois tudo está em constante transformação. Usando os dizeres de Gadotti (1998), «todo saber traz consigo sua própria superação». Portanto, não há saber nem ignorância absoluta: há apenas uma relativização do saber ou da ignorância. Por isso, educadores e educadoras não podem se colocar na posição de ser superiores, que ensinam um grupo de ignorantes, mas sim na posição humilde daqueles que comunicam um saber relativo a outros que possuem outro saber relativo.

Como educadores engajados em um processo de transformação social, necessita-se que esses profissionais acreditem na educação, e, mesmo não tendo uma visão ingênua, acreditando que essa sozinha possa transformar a sociedade em que está inserida, e acreditem que sem ela nenhuma transformação profunda se realizará.

É preciso confiar nessas mudanças e esperar o inesperado, pois como nos diz Edgar Morin (2001, p. 92):

Na história, temos visto com freqüência, infelizmente, que o possível se torna impossível e podemos pressentir que as mais ricas possibilidades humanas permanecem ainda impossíveis de se realizar. Mas vimos também que o inesperado torna-se possível e se realiza; vimos com freqüência que o improvável se realiza mais do que o provável; saibamos, então, esperar o inesperado e trabalhar pelo improvável.

No entanto, como professores e professoras se vêem frente a essas questões? Que espaço reservam para discutir suas funções sociais? Será que no seu dia-a dia, entre uma escola e outra, fazem tal reflexão ou acabam sucumbindo ao sistema, mergulhando num fazer sem fim? A sociedade e a escola têm valorizado os profissionais da educação, ou, como nos aponta Arroyo (2202, p. 9), vêem esses como «um apêndice, um recurso preparado, ou despreparado?».

Sendo assim, objetivou-se com a execução desse trabalho promover discussão teórica que substanciasse a reflexão dos professores e professoras sobre o papel social de sua formação, apoiando-se no referencial freireano. Para tal utilizou-se das seguintes metodologias: pesquisa teórica sobre a importância da filosofia da educação, sobre o papel social do professor, e sobre a politização do professor enquanto agente de transformação.

2. REFLEXÕES SOBRE A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Toda teoria pedagógica tem seus fundamentos baseados num sistema filosófico. É a filosofia que, expressando uma concepção de homem e de mundo, dá sentido à Pedagogia, definindo seus objetivos e determinando os métodos da ação educativa. Nesse sentido, não existe educação neutra. Ao trabalhar na área de educação, é sempre necessário tomar partido, assumir posições. E toda escolha de uma concepção de educação é, fundamentalmente, o reflexo da escolha de uma filosofia de vida (Haydt, 1997, p. 23).

Com a epígrafe acima, inicia-se uma discussão sobre a filosofia da educação, buscando referencial que clarifique sua função na área educacional. A filosofia pode contribuir para que a educação seja pensada, analisada e refletida, saindo assim do ativismo, ou seja, do fazer pelo fazer, sem respaldo que norteie o porquê e o para quê destina-se esse fazer.

Ao pensar filosoficamente, o educador foge da simplicidade, da ingenuidade e das explicações mágicas ao interpretar os problemas do cotidiano, buscando aprofundar sua análise, não se satisfazendo com as aparências, buscando a causalidade dos fatos de forma inquieta e intensa.

Silva (1992, p. 32), em um texto de bastante relevância, discute que professores e professoras, em seu fazer diário, preocupam-se em demasia com métodos e técnicas em um verdadeiro endeusamento dessas questões, como se a educação pudesse melhorar a partir da metodologia de ensino, não querendo aqui minimizar a importância das metodologias; porém, atentando para que, por vezes, se esquecem de buscar base conceitual que respalde e sustente tais metodologias, o que deixa bastante explícito na seguinte citação:

[...] qualquer método ou técnica encontra seus fundamentos numa psicologia educacional, o que, por sua vez, encontra seus fundamentos numa filosofia da educação. O culto indiscriminado da técnica somente terá fim quando os professores se lembrarem dessa ligação, ou pelo menos, começarem a refletir sobre certas coisas que, para eles, supostamente são reservadas só para iniciados ou privilegiados. A educação brasileira não precisa de pílulas «metodologicol»; ela precisa, isso sim, é de uma injeção de filosofia e política.

A citação vai ao encontro das idéias de Severino (2001), que nos faz entender que é tarefa da filosofia da educação «intencionalizar a prática educacional», dando respaldo para que essa prática seja pensada, refletida, construída e reconstruída, enfim, seja uma prática não apenas empírica, mas também reflexiva, que se aporte na epistemologia. Para tal, entende que a filosofia não deve ser vista como uma ciência isolada, mas sim que busca se apoiar em fundamentos históricos e sociológicos.

Procurando contextualizar o surgimento da filosofia da educação, Severino (2001, p. 121) aponta que o pensar contemporâneo busca na ciência, na razão, a explicação para as causas primeiras, fugindo de toda espécie de transcendentalismo tão presente no pensar medieval, sendo assim «o racionalismo naturalista moderno transfigura a cosmovisão da cultura ocidental e instaura uma avassaladora dessacralização da natureza e da cultura». Fato este que, antes de tudo, atinge as ciências naturais, e, a seguir, as humanas das quais se originam as ciências da educação. Nessa perspectiva, a educação passa a ser pensada por meio da ciência, tendo a filosofia da educação a função de justificar a utilização de recursos técnico-científicos que levem ao máximo o desempenho dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

A educação brasileira é atingida por essa forma de pensar, segundo Severino (2001, p.122), nos ideários escolanovistas, que emergem como contraponto à educação tradicional jesuítica, a qual influencia por séculos a escola brasileira. Para a Escola Nova:

A educação é considerada o único instrumento apropriado para a construção de uma sociedade laica e justa, gerenciada por um aparelho estatal que se inaugura a partir de um projeto político iluministicamente concebido e juridicamente implementado.

O escolanovismo é fortemente influenciado pelas idéias de John Dewey, de quem Anísio Teixeira é interlocutor no Brasil. As idéias da Escola Nova aportam-se na psicologia do desenvolvimento, o que faz com que essa disciplina seja, até os dias atuais, bastante prestigiada nos cursos de formação de professores, de acordo com Mitsuko, citado por Severino (ídem). A psicologia «genético-estrutural», pensada por Piaget e seus seguidores, continua influenciando a atualidade educacional brasileira, o que Severino (2001, p. 124) analisa à luz da filosofia sob o seguinte prisma:

O construtivismo mostra a vinculação entre os processos epistêmicos, psíquicos e pedagógicos. Por sua configuração categorial e objetivos, o construtivismo propõe a articulação de uma concepção do sujeito epistêmico com a atividade do sujeito educando, mediados por um sujeito psíquico.

Porém, ao reconhecer a contribuição dessa teoria para a filosofia da educação, Severino (2001, p. 124) aponta uma crítica ao reducionismo que percebe na mesma:

O construtivismo traz grande contribuição à Filosofia da Educação, sobretudo no plano epistemológico, ao comprovar que o conhecimento não se dá por intuição ou representação, mas mediante a construção conceitual. [...] Mas sua proposta filosófico-educacional esbarra na redução da educação ao processo ensino/aprendizagem, naturalizando-o por demais, não levando em conta as especificidades políticas das relações sociais aí envolvidas.

Severino (2001, p.128) prossegue em sua análise criticando também teóricos cientificistas que delegam a filosofia da educação apenas à «validação da metodologia de investigação e de expressão do conhecimento científico», tornando-se uma «filosofia das ciências da educação». Nessa perspectiva, a filosofia da educação traz em si dois aspectos: o instrumental e o crítico. Entende-se por instrumental o embasamento teórico que a filosofia pode oportunizar para a resolução de problemas práticos. Por sua vez, o crítico deve despertar o constante questionamento sobre a prática. «Para tais teóricos, o conhecimento científico é o único capaz de verdade e fundamento plausível da ação; qualquer critério do agir humano só pode ser técnico e funcional, nunca ético, estético ou político».

Essa vertente teórica no campo da filosofia, segundo Severino, não atenta para a subjetividade presente na área da educação, nem para as ilusões, erros e ideologias que perpassam a consciência humana, sendo acusada de «reducionismo epistemologista» ao apoiar-se apenas na ciência e na técnica. Para Severino (2001, p. 128):

[...] a Filosofia da Educação precisa implementar uma reflexão epistemológica sobre si mesma. [...]. Seu papel é descrever e debater a construção do objeto-educação, pelo sujeito. Sua dupla missão é se justificar e também rearticular os esforços da ciência, para que estes se justifiquem, avaliem e legitimem a atividade epistêmica como processo tecido no texto/contexto da realidade histórico-cultural.

Nessa perspectiva, cabe à filosofia da educação empenhar-se na construção de uma imagem de homem como sujeito da educação, buscando uma visão integradora que leve em consideração a historicidade desse ser.

domingo, 9 de março de 2008

Politicas Educacionais no Brasil


“O nosso maior objetivo deve ser o de desenvolver seres humanos livres, capazes por si próprios, de imprimir propósitos e direção às suas vidas”. (Rudolf Steiner)

Impasse para a educação

A informatização da sociedade é presente em todo o mundo e mesmo em países como o Brasil, onde as desigualdades sociais e regionais são muito grandes, ela é determinante, principalmente em termos de mercado de trabalho. Em relação aos sistemas de comunicação o Brasil está plenamente inserido no mercado planetário, estando o maior grupo de comunicação brasileiro - a Rede Globo de Televisão - associada a um dos cinco maiores conglomerados de comunicação do mundo.

Esta distância entre o mundo da informática e da comunicação com o mundo da educação é muito grande, induzindo-nos a pensar num impasse. Tem sentido continuarmos investindo neste sistema que não consegue dar conta destas transformações? Está claro que necessitamos de muito mais do que simplesmente aperfeiçoar o sistema. O momento exige uma profunda transformação estrutural do sistema educacional.

Este contexto de mudanças impõe-nos uma reflexão mais profunda sobre os nossos sistemas educacionais, ainda centrados em velhos paradigmas, muitas vezes enfatizando apenas a formação de mão de obra, sem perceber a velocidade com que o mundo se transforma.

Como afirma Francisco de Oliveira;

“Num mundo que se corre com esta velocidade, com transformações que não esperam amanhecer o dia para serem anunciadas, uma inserção rápida da economia brasileira no sistema internacional, com estes critérios seguramente vai nos conduzir não mais para uma exploração de mão-de-obra barata, porque não se está mais atrás disso: tecnologia de ponta não se faz com mão de obra barata.”

Passados cerca de sete anos desta fala de Francisco de Oliveira, continuamos a perceber um caminhar nesta direção. Em documento interno da Faculdade de Educação da UFBA para subsidiar a discussão sobre o Parâmetros Curriculares Nacionais, reforçava-se a necessidade de um sólida formação dos profissionais da educação.

Não é mais possível em mais uma proposta de governo ser "esquecida" a obrigação dos dirigentes da nação com a formação sólida e continuada dos principais formadores de mentalidade do país. Tal esquecimento nos faz pensar que esse governo, também como tantos outros na nossa história, compreende que o despreparo dos professores e professoras foi e será um dos mecanismos 'para mantê-los fracos e disponíveis às manobras e conchavos políticos-burocráticos' (ARROYO, 1988) formando outros cidadãos e cidadãs fracos e disponíveis às mesmas manobras e conchavos.

A transformação do sistema educacional passa, portanto, necessariamente, pela transformação do professor. Não podemos continuar pensando em formar professores com teorias pedagógicas que se superam quotidianamente, centradas em princípios totalmente incompatíveis com o momento histórico. Nossos currículos, programas, materiais didáticos, incluindo os novos e sofisticados multimídias, software educacionais, vídeos educativos, continuam centrados em três grandes falácias, como afirmou Emilia Ferreiro para a Revista TV Escola. Segundo ela, insistimos que o aprendizado se dá sempre do concreto para o abstrato, do próximo para o distante e do fácil para o difícil.

Continuar trabalhando nesta perspectiva é desconhecer completamente as transformações que estamos vivendo no mundo contemporâneo e os novos elementos que estão fazendo parte da realidade de nossos jovens e adolescentes.

Precisamos compreender mais de que forma esta geração X (novas tribos) convive simultaneamente com os games, televisões, Internet, esportes radicais, tudo simultaneamente, de forma múltipla e fragmentada ao mesmo tempo. Esta geração já relaciona-se com as novas mídias de forma diversa e existe em gestação um novo processo de produção de conhecimento, ainda desconhecido pela escola.

Para Douglas Rushkoff, ao analisar como a cultura das crianças nos ensina a prosperar na era do Caos. Essa geração não procura respostas nos meios de comunicação mas sim perguntas. Eles entendem a descontinuidade e conseguem estabelecer com ela uma relação de produção de conhecimento. "Para a audiência jovem, a descontinuidade dos meios não é uma exceção, é a regra".

Compreender os novos processos de aquisição e construção do conhecimento é básico para tentarmos superar este impasse. Esta compreensão, por outro lado, empurra-nos necessariamente para considerar como fundamental a introdução das chamadas novas tecnologias da comunicação e informação nos processos de ensino-aprendizagem.

No entanto, a pura e simples introdução destas tecnologias não é garantia desta transformação. Esta introdução é, portanto, uma condição necessária mas não suficiente para que tenhamos um sistema educacional compatível com o momento histórico. Desta forma, introduzir estas tecnologias exige compreender de forma mais ampla a necessidade de fortalecer os nós - as unidades escolares que por sua vez articulam-se intensamente com os valores locais - de tal forma a dar maior visibilidade aos nós desta rede, aumentando concomitantemente a conectividade entre estes nós, estabelecendo-se com isso esta rede de conexões. Mas não apenas a rede física.

A escola, conectada, interligada, integrada, articulada com o conjunto da rede, passa a ser mais elementos deste processo coletivo de produção de conhecimento. Esta navegações, portanto, são praticamente sem limites. Como diz Pierre Levy,

Navegar no ciberespaço equivale a passar um olhar consciente sobre a interioridade caótica, o ronronar incansável, as banais futilidades e as fulgurações planetárias da inteligência coletiva.

O acesso ao processo intelectual do todo informa o de cada parte, indivíduo ou grupo, e alimenta em troca o do conjunto. Passa-se então da inteligência coletiva para o coletivo inteligente.

Esta passagem não corresponde à um aperfeiçoamento do sistema educacional. Ele exige uma transformação profunda, exigindo consequentemente, políticas educacionais coerentes com as transformações da sociedade como um todo.

As políticas educacionais no contexto do neoliberalismo

A conjuntura das políticas educacionais no Brasil ainda demonstra sua centralidade na hegemonia das idéias liberais sobre a sociedade, como reflexo do forte avanço do capital sobre a organização dos trabalhadores na década de 90. A intervenção de mecanismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial, aliado à subserviência do governo brasileiro à economia mundial, repercutem de maneira decisiva sobre a educação. Em contrapartida, a crise do capitalismo em nível mundial, em especial do pensamento neoliberal, revela, cada vez mais, as contradições e limites da estrutura dominante. A estratégia liberal continua a mesma: colocar a educação como prioridade, apresentando-a como alternativa de “ascensão social” e de “democratização das oportunidades”. Por outro lado, a escola continua sendo um espaço com grande potencial de reflexão crítica da realidade, com incidência sobre a cultura das pessoas. O ato educativo contribui na acumulação subjetiva de forças contrárias à dominação, apesar da exclusão social, característica do descaso com as políticas públicas na maioria dos governos.

1. A ideologia e a educação

A relação da ideologia com a educação foi bastante polêmica ao longo da história. Embora o termo tenha sido primeiramente utilizado em 1801, é com o advento do marxismo que a ideologia assume uma maior importância para o pensamento humano. Conforme Marilena Chauí, o marxismo entende a ideologia como “um instrumento de dominação de classe e, como tal, sua origem é a existência da divisão da sociedade em classes contraditórias e em luta”. Além disso, a utilização do termo confunde-se com o significado de crenças e ilusões que se incorporam no senso comum das pessoas. “A ideologia é ilusão, isto é, abstração e inversão da realidade, ela permanece sempre no plano imediato do aparecer social. (...) A aparência social não é algo falso e errado, mas é o modo como o processo social aparece para a consciência direta dos homens”.

Diferente da maioria dos marxistas, para os quais a ideologia consiste na expressão de interesses de uma classe social, para Karl Manheim o que define a ideologia é o seu poder de persuasão, sua “capacidade de controlar e dirigir o comportamento dos homens” . Nicola Abagnano, reforça a teoria de Manheim dizendo que “o que transforma uma crença em ideologia não é sua validade ou falta de validade, mas unicamente sua capacidade de controlar os comportamentos em determinada situação” .

A compreensão de ideologia como expressão de interesses e “falsificação da realidade” com vistas ao controle social, permite a conclusão, do ponto de vista marxista, de que a estrutura social dominante constitui “aparelhos ideológicos” em forma de superestrutura, mantendo a opressão. Segundo Louís Althusser a escola é o principal aparelho ideológico da sociedade e, em seu entendimento, como a estrutura determina a superestrutura, não é possível qualquer mudança social a partir da educação. Moacir Gadotti considera a posição de Althusser bastante equivocada do ponto de vista da emancipação humana, pois gera uma situação de passividade e impotência, o que revela um caráter ideológico de sua própria teoria, já que “a subserviência da omissão interessa mais à dominação do que o combate a favor dela”. Para Gadotti, “se aceitarmos a análise de Althusser, certamente a educação enquanto sistema ou subsistema é um aparelho ideológico em qualquer sistema político. Mas se aceitarmos que ela é também ato, práxis, então as coisas se complicam. Não podemos reduzir a educação, a complexidade do fenômeno educativo apenas às suas ligações com o sistema”.

De certa forma, Gramsci é que dá um novo rumo ao conceito de ideologia e, com isso, fornece valiosas contribuições para a construção da educação voltada para a transformação social. Um dos conceitos fundamentais adotados por Gramsci é o de hegemonia que, segundo ele, se dá por consenso e/ou coerção. Na sociedade dividida em classes, temos uma constante luta pela hegemonia política e a ideologia assume o caráter de convencimento, o primeiro recurso utilizado para a dominação. Do ponto de vista dos oprimidos, o embate ideológico contra a hegemonia burguesa se dá em todos os espaços em que esta se reproduz, como por exemplo, a escola. Temos então, uma luta de posição na escola, colocando a política, luta pelo poder, como o centro da ação pedagógica.

A educação, portanto, é um espaço social de disputa da hegemonia; é uma prática social construída a partir das relações sociais que vão sendo estabelecidas; é uma “contra-ideologia”. Nesta perspectiva, é importante situar a posição do educador na sociedade, contribuindo para manter a opressão ou se colocando em contraposição à ela. Se o educador é um trabalhador em educação, parece coerente que este seja aliado das lutas dos trabalhadores enquanto classe, visto que as suas conquistas sociais, aparentemente mais imediatas, também dependem de vitórias maiores no campo social. Nessa perspectiva, é coerente que a posição do educador seja em favor dos oprimidos, não por uma questão de caridade, mas de identidade de classe, já que a luta maior é a mesma. Qual é a função do educador como intelectual comprometido com a transformação social?

Gramsci afirma que o povo sente, mas nem sempre compreende e sabe; o intelectual sabe, mas nem sempre compreende e muito menos sente. Por isso, o trabalho intelectual é similar a um cimento, a partir do qual as pessoas se unem em grupos e constroem alternativas de mudança. Mas isso não é nada fácil: assumir a condição de intelectuais orgânicos dos trabalhadores significa lutar contra o contexto dominante que se apresenta e visualizar perspectivas de superação coletiva sem exclusão. Entender bem a realidade parece ser o primeiro passo no desafio da construção de uma nova perspectiva social. Que realidade é essa que se apresenta para a educação?

2. A crise do capitalismo e da ideologia liberal

O atual contexto traz algumas novidades e um conjunto de elementos já presentes há muito tempo no capitalismo, ambos tentando se articular coerentemente, embora as contradições estejam cada vez mais explícitas. Em termos de estrutura social, vigora a manutenção da sociedade burguesa, com suas características básicas:

a) trabalho como mercadoria;

b) propriedade privada;

c) controle do excedente econômico;

d) mercado como centro da sociedade;

e) apartheid, exclusão da maioria;

f) escola dividida para cada tipo social.

Porém, a novidade, em termos estruturais, é que a ordem burguesa está sem alternativa, ou seja, o capitalismo prova sua ineficácia generalizada e a crise apresentada revela seu caráter endógeno, ou seja, o capitalismo demonstra explicitamente ser o gerador de seus próprios problemas. Se o mercado é a causa da crise e se boa parte das soluções apresentadas para enfrentar esta crise prevê a ampliação do espaço do mercado na sociedade, a tendência é que os problemas sejam agravados.

O fracasso do capitalismo se comprova internamente, principalmente nos países mais pobres. Além disso, o auge do neoliberalismo da década de 90 mostra suas limitações e começa a ser rejeitado em todo o mundo. Entretanto, os neoliberais, embora a maioria não se assuma como tal, usam a estratégia de atacar quem se propõe a explicitar o que ficou evidente: “Além do ataque à esquerda, como que responsabilizando os outros pelo seu próprio fracasso, alguns liberais têm se manifestado através de artigos na imprensa, afirmando que as pessoas ‘de forma pobre e maniqueísta culpam o neoliberalismo e o FMI pela miséria brasileira’. Ora, será que a culpa seria do PT, da CUT, do MST, da intelectualidade e do povo brasileiro?” (no período até 2002 estes eram oposição ao governo).

Nem mesmo crescimentos econômicos, suposta virtude da qual os intelectuais burgueses ainda se vangloriavam, o capitalismo consegue proporcionar. Conforme o economista João Machado, a economia mundial que se mantinha num crescimento de 4% na década de 60, chegou ao final da década de 90 com apenas 1%. O custo social, por sua vez, é catastrófico: a) as diferenças entre países ricos e pobres têm aumentado em 110 vezes, desde a 2ª. Guerra Mundial até a década de 90; b) aumenta consideravelmente a distância entre ricos e pobres dentro dos países; c) a crise ecológica vem sendo agravada, com a poluição das águas e diversos recursos naturais essenciais à produção. Há uma clara incompatibilidade entre a ordem burguesa e a noção de progresso civilizatório.

De maneira mais conjuntural as principais características são as seguintes:

a) Crise do trabalho assalariado, com acentuada precarização nas relações de trabalho;

b) Mito da irreversibilidade da globalização, com forte carga de fatalismo;

c) Mundo unitário sem identidade, trazendo à tona a fragmentação, também no que se refere ao conhecimento;

d) Retorno de “velhas utopias”, principalmente na política, economia e religião;

e) Despolitização das relações sociais;

f) Acento na competitividade com a perspectiva de que alguns se salvam já que não dá para todos.

Nessa realidade está inserida a educação, como um espaço de disputa de projetos antagônicos: liberal X democrático-popular. Por um lado, o caos da ditadura do mercado como regulador das relações humanas e, por outro, a tentativa de manter a democracia como valor universal e a solidariedade como base da utopia socialista.

3. A educação neoliberal

Do ponto de vista liberal, a educação ocupa um lugar central na sociedade e, por isso, precisa ser incentivada. De acordo com o Banco Mundial são duas as tarefas relevantes ao capital que estão colocadas para a educação:

a) ampliar o mercado consumidor, apostando na educação como geradora de trabalho, consumo e cidadania (incluir mais pessoas como consumidoras);

b) gerar estabilidade política nos países com a subordinação dos processos educativos aos interesses da reprodução das relações sociais capitalistas (garantir governabilidade).

Para quem duvida da priorização da educação nos países pobres, observe o seguinte trecho do vice-presidente do Banco Mundial:

“Para nós, não há maior prioridade na América Latina do que a educação. entre 1987 e 1992 nosso programa anual de empréstimos para a educação na América Latina e o Caribe aumentou de 85 para 780 milhões de dólares, e antecipamos outro aumento para 1 bilhão em 1994”. Porém, não vamos nos iludir pensando que a grande tarefa dos mecanismos internacionais a serviço do capital é financiar a educação. Conforme análise de Sérgio Haddad, o principal meio de intervenção é a pressão sobre países devedores e a imposição de suas “assessorias”: “A contribuição mais importante do Banco Mundial deve ser seu trabalho de assessoria, concebido para ajudar os governos a desenvolver políticas educativas adequadas às especificidades de seus países. (...) O Banco Mundial é a principal fonte de assessoramento da política educativa, e outras agências seguem cada vez mais sua liderança”.

É evidente que a preocupação do capital não é gratuita. Existe uma coerência do discurso liberal sobre a educação no sentido de entendê-la como “definidora da competitividade entre as nações” e por se constituir numa condição de empregabilidade em períodos de crise econômica. Como para os liberais está dado o fato de que todos não conseguirão “vencer”, importa então impregnar a cultura do povo com a ideologia da competição e valorizar os poucos que conseguem se adaptar à lógica excludente, o que é considerado um “incentivo à livre iniciativa e ao desenvolvimento da criatividade”. Mas, e o que fazer com os “perdedores”? Conforme o Prof. Roberto Lehrer (UFRJ), o próprio Banco Mundial tem declarado explicitamente que “as pessoas pobres precisam ser ajudadas, senão ficarão zangadas”. Essa interpretação é precisa com o que o próprio Banco tem apresentado oficialmente como preocupação nos países pobres: “a pobreza urbana será o problema mais importante e mais explosivo do próximo século do ponto de vista político”.

Os reflexos diretos esperados pelo grande capital a partir de sua intervenção nas políticas educacionais dos países pobres, em linhas gerais, são os seguintes:

a) garantir governabilidade (condições para o desenvolvimento dos negócios) e segurança nos países “perdedores”;

b) quebrar a inércia que mantém o atraso nos países do chamado “Terceiro Mundo”;

c) construir um caráter internacionalista das políticas públicas com a ação direta e o controle dos Estados Unidos;

d) estabelecer um corte significativo na produção do conhecimento nesses países;

e) incentivar a exclusão de disciplinas científicas, priorizando o ensino elementar e profissionalizante.

Mas, é evidente que parte do resultado esperado por parte de quem encaminha as políticas educacionais de forma global fica frustrada por que sua eficácia depende muito da aceitação ou não de lideranças políticas locais e, principalmente, dos educadores. A interferência de oposições locais ao projeto neoliberal na educação é o que de mais decisivo se possui na atual conjuntura em termos de resistência e, se a crítica for consistente, este será um passo significativo em direção à construção de um outro rumo, apesar do “massacre ideológico” a que os trabalhadores têm sido submetidos durante a última década.

Em função dessa conjuntura política desfavorável, podemos afirmar que, em termos genéricos, as maiores alterações que ultimamente tem sido previstas estão chegando às escolas e, muitas vezes, tem sido aceitas sem maiores discussões a seu respeito, impedindo uma efetiva contraposição. Por isso, vamos apresentar, em grandes eixos, o que mais claramente podemos apontar como conseqüências do neoliberalismo na educação:

1- Menos recursos, por dois motivos principais:

a) diminuição da arrecadação (através de isenções, incentivos, sonegação...);

b) não aplicação dos recursos e descumprimento de leis;

2- Prioridade no Ensino Fundamental, como responsabilidade dos Estados e Municípios (a Educação Infantil é delegada aos municípios);

3 - O rápido e barato é apresentado como critério de eficiência;

4 - Formação menos abrangente e mais profissionalizante;

5 - A maior marca da subordinação profissionalizante é a reforma do ensino médio e profissionalizante;

6- Privatização do ensino;

7- Municipalização e “escolarização” do ensino, com o Estado repassando adiante sua responsabilidade (os custos são repassados às prefeituras e às próprias escolas);

8- Aceleração da aprovação para desocupar vagas, tendo o agravante da menor qualidade;

9- Aumento de matrículas, como jogo de marketing (são feitas apenas mais inscrições, pois não há estrutura efetiva para novas vagas);

10- A sociedade civil deve adotar os “órfãos” do Estado (por exemplo, o programa “Amigos da Escola”). Se as pessoas não tiverem acesso à escola a culpa é colocada na sociedade que “não se organizou”, isentando, assim, o governo de sua responsabilidade com a educação;

11- O Ensino Médio dividido entre educação regular e profissionalizante, com a tendência de priorizar este último: “mais ‘mão-de-obra’ e menos consciência crítica”;.

12- A autonomia é apenas administrativa. As avaliações, livros didáticos, currículos, programas, conteúdos, cursos de formação, critérios de “controle” e fiscalização, continuam dirigidos e centralizados. Mas, no que se refere à parte financeira (como infra-estrutura, merenda, transporte), passa a ser descentralizada;

13- Produtividade e eficiência empresarial (máximo resultado com o menor custo): não interessa o conhecimento crítico;

14- Nova linguagem, com a utilização de termos neoliberais na educação;

15 - Modismo da qualidade total (no estilo das empresas privadas) na escola pública, a partir de 1980;

16- Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) são ambíguos (possuem 2 visões contraditórias), pois se, por um lado, aparece uma preocupação com as questões sociais, com a presença dos temas transversais como proposta pedagógica e a participação de intelectuais progressistas, por outro, há todo um caráter de adequação ao sistema de qualidade total e a retirada do Estado. É importante recordar que os PCNs surgiram já no início do 1º mandato de FHC, quando foi reunido um grupo de intelectuais da Espanha, Chile, Argentina, Bolívia e outros países que já tinham realizado suas reformas neoliberais, para iniciar esse processo no Brasil. A parte considerada progressista não funciona, já que a proposta não vem acompanhada de políticas que assegurem sua efetiva implantação, ficando na dependência das instâncias da sociedade civil e dos próprios professores.

17- Mudança do termo “igualdade social” para “eqüidade social”, ou seja, não há mais a preocupação com a igualdade como direito de todos, mas somente a “amenização” da desigualdade;

18 - Privatização das Universidades;

19 – Nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) determinando as competências da federação, transferindo responsabilidades aos Estados e Municípios;

20 - Parcerias com a sociedade civil (empresas privadas e organizações sociais).

Diante da análise anterior, a atuação coerente e socialmente comprometida na educação parece cada vez mais difícil, tendo em vista que a causa dos problemas está longe e, ao mesmo tempo, dispersa em ações locais. A tarefa de educar, em nosso tempo, implica em conseguir pensar e agir localmente e globalmente, o que carece da interação coletiva dos educadores e, segundo Philippe Perrenoud, da Universidade de Genebra, “o professor que não se preparar para intervir na discussão global, não é um ator coletivo”. Além disso, a produção teórica só tem sentido se for feita sobre a prática, com vistas a transformá-la. Portanto, para que haja condições efetivas de construir uma escola transformadora, numa sociedade transformadora, é necessária a predisposição dos educadores também pela transformação de sua ação educativa e “a prática reflexiva deve deixar de ser um mero discurso ou tema de seminário, ela objetiva a tomada de consciência e organização da prática”.

ANTONIO INÁCIO ANDRIOLI
Doutorando em Ciências Sociais na Universidade de Osnabrück - Alemanha


Entre a herança e a promessa

O Governo Lula e a política educacional

Pablo Gentili

O resultado da eleição presidencial de outubro de 2002 apresentou, no Brasil, uma evidência incontestável: boa parte da sociedade assumia o desafio de uma mudança profunda no rumo das políticas públicas, após uma década de reformas neoliberais que deixaram como legado frustradas promessas de bem-estar. É evidente que a confiança depositada em Luiz Inácio Lula da Silva esteve longe de significar uma adesão orgânica aos princípios ideológicos que marcaram a história do Partido dos Trabalhadores (PT) como organização de esquerda. Entretanto, o voto popular expressou a necessidade de uma virada radical na administração governamental em um dos países mais injustos do planeta. A eleição de um operário metalúrgico, sindicalista, nascido no paupérrimo sertão nordestino e que quase não freqüentou a escola foi, talvez, a maior expressão da mudança cultural ocorrida na sociedade brasileira, perante o esgotamento de um modelo de subdesenvolvimento que, para além da parafernália da propaganda oficial, havia aprofundado a desigualdade e a exclusão. A sociedade brasileira queria mudanças, e Lula parecia ser a pessoa mais indicada para realizá-las.

No Brasil, a década de noventa esteve marcada por um significativo crescimento dos índices de escolaridade. Este crescimento, que começa a se evidenciar no início dos anos setenta, foi insistentemente apresentado pelo governo anterior como uma de suas mais brilhantes conquistas. Sem entrarmos na discussão sobre os méritos que a administração de Fernando Henrique Cardoso e seu Ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, possam ter tido neste processo, o fato é que, estatisticamente, os anos que precederam a chegada de Lula ao poder expressaram uma profunda mudança nas oportunidades educacionais de um significativo número de brasileiros. De fato, a taxa de analfabetismo que era de 25,4% no início dos anos oitenta, vinte anos depois havia sido reduzida para menos da metade. Entre o início da década de setenta e o fim dos anos noventa, duplicou-se o número de matrículas no ensino fundamental obrigatório (de 7 a 14 anos), passando de 18,4 milhões para 35,8 milhões, quase a totalidade dos meninos e meninas em idade escolar. Neste mesmo período, o ensino médio (de 15 a 17 anos) cresceu mais de cinco vezes, passando de 1,3 milhão para 7 milhões, dado que se torna ainda mais relevante diante da desaceleração do crescimento populacional ocorrido entre 1970 e 2000. (Hasenbalg, 2003) No final do século XX, boa parte dos setores sociais tradicionalmente excluídos da escola estava, pelo menos formalmente, matriculado em uma instituição educativa.

Por outro lado, o governo anterior também havia implementado uma ambiciosa e extensa reforma educacional. A lei geral da educação foi modificada em 1996, desenvolveu-se um amplo processo de avaliação do sistema escolar em todos os seus níveis, mudaram os currículos e promoveu-se uma rigorosa política de ajuste das universidades públicas que repercutiu no sistema científico tecnológico nacional. Entre outras medidas, também se instituiu um fundo de recursos para a valorização do magistério. (Portella de Oliveira & Adrião, 2002)

Contudo, apesar do caráter positivo de algumas destas mudanças, o novo governo petista, ao assumir, não deixava de reconhecer os desafios que estava herdando. Desafios que apareciam de forma clara no documento técnico fundamental elaborado pela equipe de campanha da futura administração — Uma escola do tamanho do Brasil —, e também nos numerosos textos, manifestos e contribuições programáticos produzidos pelos movimentos sociais e populares que, de Norte a Sul do país, deram base de sustentação à proposta eleitoral do PT.

No Brasil de hoje, há um déficit estimado de 13 milhões de vagas para a educação infantil (até 6 anos), 2,7 milhões para o ensino fundamental (7 a 14 anos) e 2,1 milhões para o ensino médio (15 a 17 anos). Isto supõe um déficit de 684.210 docentes no nível inicial, 158.823 no primário e 115.789 no secundário.

Ainda que o sistema escolar brasileiro tenha se “democratizado”, faltam-lhe nada menos que 958.822 novos docentes para atender a demanda educacional existente. (Partido dos Trabalhadores, 2002)

Neste mesmo sentido, e na contramão dos alardes publicitários da gestão anterior, as diferenças regionais e certas especificidades na construção da desigualdade social brasileira, permite ponderar de maneira diferente os avanços da década de noventa em matéria de democratização educacional. Mostra-se evidente que os estados e municípios mais pobres possuem, de modo geral, uma educação mais pobre. Ao mesmo tempo, tanto nestes como em todos os estados e municípios, certos setores sociais possuem uma educação mais pobre do que a dos demais. Entre a população negra, por exemplo, a taxa de analfabetismo é duplamente maior do que entre a população branca. Mesmo com 47% da população brasileira composta por negros, no Brasil, quase 83% dos que possuem diploma universitário são brancos. (Paixão, 2003) A desigualdade educacional se funde e confunde assim com uma brutal discriminação racial que marca o passado e o presente da sociedade brasileira.

É esta a herança que o governo Lula recebe. Uma herança de desigualdades seculares, intensificadas ou cristalizadas por uma década de reformas neoliberais. Um país com uma dívida social incomensurável. Um conjunto de dívidas financeiras de origem duvidosa e com possibilidades de pagamento não menos duvidosas. Uma dívida externa que se duplicou na década de noventa e que consome quase um terço dos gastos totais do governo no pagamento de seus juros. Uma série de compromissos fiscais tirânicos e uma dívida interna, em matéria de financiamento educacional, cujo montante não para de crescer.

Plano de Desenvolvimento da Educação?

Uma educação básica de qualidade. Essa é a prioridade do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Investir na educação básica significa investir na educação profissional e na educação superior, porque elas estão ligadas, direta ou indiretamente. Significa também envolver todos, pais, alunos, professores e gestores, em iniciativas que busquem o sucesso e a permanência do aluno na escola.

Com o PDE, o Ministério da Educação pretende mostrar à sociedade tudo o que se passa dentro e fora da escola, realizando uma grande prestação de contas. Se as iniciativas do MEC não chegarem à sala de aula e beneficiarem a criança, não se conseguirá atingir a qualidade que se deseja à educação brasileira. Por isso, é importante a participação de toda a sociedade no processo.

O Compromisso Todos pela Educação deu o impulso a essa ampla mobilização social. Além dele, outra medida adotada pelo governo federal é a criação de uma avaliação para crianças dos seis aos oito anos de idade. O objetivo é verificar a qualidade do processo de alfabetização dos alunos no momento em que ainda é possível corrigir distorções e salvar o futuro escolar da criança.

A alfabetização de jovens e adultos também receberá atenção especial. O Programa Brasil Alfabetizado, criado pelo MEC para atender os brasileiros com dificuldades de escrita e leitura ou que nunca freqüentaram uma escola, está recebendo alterações para melhorar seus resultados. Entre as mudanças, estão a ampliação de turmas nas regiões do interior do país, onde reside a maior parte das pessoas sem escolaridade, e a produção de material didático específico para esse público. Hoje, há poucos livros produzidos em benefício do público adulto que está aprendendo a ler e a fazer cálculos.

A criação de um piso salarial nacional dos professores (atualmente, mais de 50% desses profissionais ganham menos de R$ 800,00 por 40 horas de trabalho); a ampliação do acesso dos educadores à universidade; a instalação de laboratórios de informática em escolas rurais; a realização de uma Olimpíada de Língua Portuguesa, como a já existente Olimpíada de Matemática; garantia de acesso à energia elétrica para todas as escolas públicas; melhorias no transporte escolar para os alunos residentes em áreas rurais e a qualificação da saúde do estudante são outras ações desenvolvidas dentro do PDE.

Na educação profissional, a principal iniciativa do PDE é a criação dos institutos federais de educação profissional, científica e tecnológica. A intenção é que essas instituições funcionem como centros de excelência na formação de profissionais para as mais diversas áreas da economia e de professores para a escola pública. Os institutos serão instalados em cidades de referência regional, para que contribuam para o desenvolvimento das comunidades próximas e ajudem a resolver a falta de professores em disciplinas como física, química e biologia.

O PDE inclui metas de qualidade para a educação básica. Isso contribui para que as escolas e secretarias de Educação se organizem para o atendimento dos alunos. Também cria uma base sobre a qual as famílias podem se apoiar para exigir uma educação de maior qualidade. O plano prevê ainda acompanhamento e assessoria aos municípios com baixos indicadores de ensino.

Para que todos esses objetivos sejam alcançados, é necessária a participação da sociedade. Tanto é que ex-ministros da Educação, professores e pesquisadores de diferentes áreas do ensino foram convidados a contribuir para a construção do plano.

Para se resolver a enorme dívida que o Brasil tem com a educação, o PDE não pode ser apenas um projeto do governo federal. Tem que ser um projeto de todos os brasileiros.


Presidente destaca ProUni e expansão dos ensinos superior e técnico

28/02/2008 19:51:01

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta quinta-feira, 28, que a expansão de vagas no ensino superior e na educação profissional e tecnológica representa revoluções na educação brasileira. O presidente destacou o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), durante visita à futura sede do pólo universitário de Quixadá (CE). O presidente estava no município para o lançamento do programa Territórios da Cidadania no Ceará.

“É quase proibido a uma grande parte da juventude estudar”, disse Lula. Para o presidente, os jovens de baixa renda encontram dificuldades para conseguir uma vaga em universidades federais e acabam tendo de pagar caro para realizar os estudos em instituições privadas. Por isso, o presidente considera o ProUni, em que são concedidas bolsas a alunos de baixa renda, “uma pequena revolução na educação”.

O presidente lembrou que há mais de 300 mil alunos bolsistas do ProUni. “Queremos chegar, até 2010, a 400 mil alunos da periferia e das escolas públicas”. Assim como o ProUni, o presidente definiu como revolucionário o Reuni – programa que ampliará as vagas nas universidades federais já existentes, com medidas como o aumento da relação professor/aluno e a abertura de cursos noturnos.

Hoje, a média de alunos por professor na universidade federal é de cerca de dez alunos por professor. “Nós queremos aumentar para 18 e, em quatro anos, vamos colocar 400 mil jovens a mais nas universidades públicas federais brasileiras, que é a segunda revolução na educação”, afirmou Lula.

A terceira revolução, de acordo com o presidente, são a expansão das universidades federais – serão dez novas universidades e 48 extensões até 2010 – e a expansão da rede federal de educação profissional e tecnológica. A meta é chegar a 2010 com 354 escolas técnicas. “Em 93 anos foram construídas 140 [escolas]. Nós, em oito anos, vamos construir 214 escolas neste país”, destacou.

Para Lula, não faltarão recursos ou vontade política para concluir as ações que buscam ampliar o acesso à educação profissional e tecnológica e ao ensino superior. “Tem o dinheiro, tem a vontade política do presidente, tem a decisão do ministro da Educação, tem a vontade do povo brasileiro”, disse. “Vamos fazer isso porque compreendemos que sem formar a nossa juventude, sem aumentar o nível de escolaridade e de conhecimento do nosso povo, a gente não dá o salto de qualidade que o Brasil precisa”, completou o presidente.

Maria Clara Machado

MATERIA DA REVISTA ÉPOCA

(Ed. 509 - 18/02/2008)

Reprovado!

Os mais novos números da educação mostram que não dá mais para esperar. É preciso ter o mesmo senso de urgência que houve para enfrentar a inflação

Ana Aranha, Paloma Cotes e Solange Azevedo

DECADÊNCIA Depredação na escola Carlos Ayres, periferia de São Paulo. As notas no Estado apresentaram uma das quedas mais acentuadas do país

Virou clichê a afirmação de que a educação brasileira é uma peça de má qualidade. Os alunos são desmotivados, os professores despreparados, as escolas precárias. O que ninguém esperava é que esse quadro desolador ainda pudesse piorar. Essa é a notícia trágica contida na divulgação, na semana passada, dos resultados de 2005 do Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb). Trata-se do exame do Ministério da Educação que testa os conhecimentos de Português e Matemática dos alunos de 4a e 8a séries do ensino fundamental e 3o ano do ensino médio. Na comparação com 1995, os estudantes brasileiros, em todas as séries, têm desempenho pior que há dez anos (leia o quadro).

Em Matemática, os alunos da 4a série, numa escala de 0 a 500, tiraram nota média 182. Isso significa que, além de dificuldades em somar, multiplicar, subtrair e dividir, eles não sabem sequer ver as horas em um relógio de ponteiros. Em Português, os alunos da 8a série alcançaram 232 pontos. O mínimo aceitável para essa etapa da vida escolar seriam 300 pontos. O resultado mostra que o aluno médio, aos 14 anos, tem sérios problemas de compreensão de texto. Em 1995, a nota já estava abaixo do aceitável, mas era 24 pontos acima. No mundo da globalização, da competição e da tecnologia, em que o domínio do conhecimento é vital para a sobrevivência das nações, o Brasil parece desaprender o pouco que sabia. O que deu errado nos últimos dez anos?

O governo tentou embalar os péssimos resultados numa boa notícia. A queda do desempenho educacional estaria relacionada à entrada de mais alunos nas escolas. "Houve uma expansão de vagas, e o número de alunos do ensino médio quase dobrou", afirma Reynaldo Fernandes, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao MEC. "Uma das hipóteses é que as escolas não estavam prontas para essa demanda."

O argumento oficial não serve de justificativa. Desde o fim da década de 90, o Brasil já alcançou no ensino fundamental a meta de colocar nas escolas praticamente todas as crianças entre 7 e 14 anos. Hoje, nessa faixa etária, o índice de matrícula está em 97%. "Se houvesse uma queda nas avaliações em dois, três anos, seria possível acreditar na tese do quanto mais, pior. Mas, em dez anos, é impossível", afirma Ilona Becskeházy, diretora-executiva da Fundação Lemann, um dos principais centros de pesquisas em educação do país. "Ninguém sabia que um dia essas pessoas iriam entrar na escola? E que elas vinham das camadas mais carentes da população?" A tese da queda de qualidade no ensino por causa da ampliação do acesso às escolas fica ainda mais frágil no ensino médio. Houve expansão das matrículas, mas 18% dos alunos com idade para freqüentá-lo estão fora da escola.

Alunos da 4a série não sabem ler as horas em relógio de ponteiros e têm dificuldade de fazer contas de somar e subtrair

Outras estatísticas mostram causas mais profundas para o fraco desempenho. A taxa de reprovação no ensino fundamental é de 13% em todo o país. É comum encontrar alunos com idade acima de sua série - 46% no ensino médio. E, de cada dez que entram na escola, apenas três terminam os estudos. Esses números mostram como faltam ao país tanto políticas de investimento na melhora da formação e da prática dos professores como de gestão dos recursos aplicados em educação.

Não há nas salas de aulas uma cultura de cobrança de metas e de resultados de aprendizagem dos alunos. "Para resolver o problema da educação no Brasil, é preciso organizar a gestão das escolas, fixar metas e monitorar o trabalho com medidas corretivas", diz Vera Masagão, coordenadora de programas da ONG Ação Educativa. "Hoje, se um professor fica dez anos sem alfabetizar nenhum aluno, nada acontece. Ele vai ficar mais dez."

Um exemplo do problema de gestão da política educacional se dá em São Paulo - o Estado brasileiro com a economia mais rica e diversificada do país. Segundo o Saeb, uma das maiores quedas de desempenho na década, tanto em Português como em Matemática, se deu entre os estudantes de 8a série das escolas paulistas. Especialistas apontam como uma das causas a má aplicação do sistema de progressão continuada. Por esse sistema, avalia-se o aluno a cada quatro anos. "Ele é ótimo, mas faltou capacitação dos professores e investimento na recuperação dos alunos", diz Maria Alice Setubal, fundadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Cultura (Cenpec). Da forma como foi implantada, dizem os especialistas, a progressão continuada virou "aprovação automática": os alunos passam de ano sem avaliação.

Outro nó da educação brasileira é político. Países como Coréia do Sul e Chile deram saltos de qualidade em educação e agora recolhem os dividendos econômicos. A experiência deles ensina que não há soluções mágicas nem atalho. O avanço exige prioridades claras e consistência na implantação de uma política educacional de Estado, por várias décadas - ao longo de diversos governos. No Brasil, a praxe é o governante querer imprimir sua marca, em vez de continuar o que está sendo feito. Um exemplo é o governo Lula. Nos quatro primeiros anos de mandato, teve três ministros. O primeiro, Cristovam Buarque, defendia um plano nacional de alfabetização. O segundo, Tarso Genro, levantou a causa da reforma universitária. O terceiro, Fernando Haddad, elegeu (corretamente) a educação básica como foco.


Na semana passada, Haddad anunciou para breve o lançamento de um plano educacional. Mas nem ele tem certeza se sobreviverá à anunciada reforma ministerial do presidente. O problema da descontinuidade é suprapartidário. Os programas bem-sucedidos não se salvam nem quando a troca de comando se dá no mesmo partido. Neste ano, o governador de São Paulo, José Serra, reduziu à metade o número de escolas públicas que abriam no fim de semana, que buscavam maior integração com a comunidade. O programa era a vitrine de Geraldo Alckmin, seu antecessor e colega do PSDB.

Esse ziguezague revela como a prioridade à educação, na prática, não saiu do discurso. O descaso é histórico. Um exemplo: a primeira universidade brasileira - hoje, a Universidade Federal do Rio de Janeiro - só foi criada em 1920. Quase um século depois da independência do país e mais de 300 anos após a fundação da primeira instituição de ensino superior na América Latina, a San Marcos, no Peru. Hoje, a questão cultural ainda é um fator de atraso. Em uma pesquisa realizada em 2005 pelo Ministério da Educação entre 10 mil pais de alunos da rede pública, o uniforme, a autoridade dos professores e a segurança encabeçavam as preocupações - acima da qualidade. Como a maioria dos pais dos alunos também não teve ensino de qualidade, eles não sabem o que cobrar.

"A educação atravessa uma crise profunda. Ao contrário dos outros países, o Brasil demorou a acordar para o problema", afirma Célio da Cunha, especialista em educação da Unesco, o organismo das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura. Segundo Cunha, é preciso dar urgência ao combate da crise do setor - da mesma forma como o país enfrentou a hiperinflação na década de 90. "A educação tem de ser pensada como a economia, em que o governo determina o superávit, monitora, reajusta, intervém se for preciso", diz. "É hora de fazer uma autocrítica e, quem sabe, estabelecer um pacto nacional." Foi assim que a Coréia do Sul reverteu péssimas estatísticas. Ao final da Segunda Guerra Mundial, o governo investiu pesadamente em treinamento de professores, distribuição de livros nas escolas e alfabetização de adultos.

O número de alunos no ensino superior saltou de 8 mil para 3,5 milhões. Na década de 60, o PIB per capita sul-coreano era metade do brasileiro. Hoje, é o dobro. No Chile, a universalização do ensino aconteceu no governo Pinochet. Em 1990, foram oferecidas bolsas de especialização para professores no exterior e as escolas foram informatizadas. Lá, a taxa de analfabetismo é de 3,5%. Aqui, passa de 12%. A principal lição do Saeb é que não há mais tempo a perder.


O QUE É PRECISO FAZER PARA MUDAR
Algumas medidas que podem melhorar a qualidade da educação brasileira

Política continuada Governos, Estados e municípios devem seguir um projeto de longo prazo, e não apenas os programas de cada gestão

Metas específicas Estabelecer o conteúdo que o aluno deve aprender em cada série

Cultura de cobrança Pais têm de exigir bons resultados dos professores e governantes devem fazer o mesmo com as escolas

Fiscalização Estados e municípios têm de gerir recursos com eficiência

Capacitação Melhorar a formação dos professores nas universidades

Fim da rotatividade Um professor deve ficar no mínimo três anos na mesma escola. Hoje, alguns trocam mais de uma vez ao ano

Não ao corporativismo Deixar assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais trabalhar dentro da escola

Integração local Adaptar o ensino à realidade da comunidade

Carga horária Assegurar um mínimo de cinco horas de aula por dia

Não à jornada dupla Acabar com o ensino médio noturno, pois o rendimento dos jovens cai à noite

Fonte: Maria do Carmo Brant, coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Cultura (Cenpec)

Foto: Paulo Liebert/AE Foto: La Nación

Referencias Bibliográficas:

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CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. 38.ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 102.

Idem, p. 104-105.

CUNHA, L., A. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro:

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SAVIANI, D. Escola e Democracia. Campinas: Autores Associados, 2005.

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GADOTTI, Moacir. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. São Paulo: Cortez, 1983, p. 34.

Banco Mundial. Política Urbana y desarollo económico: un programa para el decenio de 1990. Washington, 1991, p. 05

http://www2.ufba.br/~pretto/textos/anped97.htm

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG76363-6009-456,00.html