domingo, 27 de abril de 2008

O papel do Professor



O professor é o grande agente do processo educacional, diz o Dr. Gabriel Chalita, autor do livro "Educação - a solução está no afeto". E ele prossegue: "A alma de qualquer instituição de ensino é o professor. Por mais que se invista na equipagem das escolas, em laboratórios, bibliotecas, anfiteatros, quadras esportivas, piscinas, campos de futebol - sem negar a importância de todo esse instrumental, tudo isso não se configura mais do que aspectos materiais se comparados ao papel e à importância do professor."

Há quem afirme que o computador irá substituir o professor, e que nesta era em que a informação chega de muitas maneiras, o professor perdeu sua importância. Mas o computador nunca substituirá o professor. Por mais evoluída que seja a máquina, por mais que a robótica profetize evoluções fantásticas, há um dado que não pode ser desconsiderado: a máquina reflete e não é capaz de dar afeto, de passar emoção, de vibrar com a conquista de cada aluno. Isso é um privilégio humano.

Pode-se ter todos os poemas, romances ou dados no computador, como há nos livros, nas bibliotecas; pode até haver a possibilidade de buscar informações pela Internet, cruzar dados num toque de teclas, mas falta a emoção humana, o olhar atento do professor, sua gesticulação, a fala, a interrupção do aluno, a construção coletiva do conhecimento, a interação com a dificuldade ou facilidade da aprendizagem.

Os temores de que a máquina possa vir a substituir o professor só atingem aqueles que não têm verdadeiramente a vocação do magistério, os que são meros informadores desprovidos de emoção. Professor é muito mais do que isso. Professor tem luz própria e caminha com pés próprios. Não é possível que ele pregue a autonomia sem ser autônomo; que fale de liberdade sem experimentar a conquista da independência que é o saber; que ele queira que seu aluno seja feliz sem demonstrar afeto. E para que possa transmitir afeto é preciso que sinta afeto, que viva o afeto. Ninguém dá o que não tem. O copo transborda quando está cheio; o mestre tem de transbordar afeto, cumplicidade, participação no sucesso, na conquista de seu educando; o mestre tem de ser o referencial, o líder, o interventor seguro, capaz de auxiliar o aluno em seus sonhos, seus projetos.

A formação é um fator fundamental para o professor. Não apenas a graduação universitária ou a pós-graduação, mas a formação continuada, ampla, as atualizações e os aperfeiçoamentos. Não basta que um professor de matemática conheça profundamente a matéria, ele precisa entender de psicologia, pedagogia, linguagem, sexualidade, infância, adolescência, sonho, afeto, vida. Não basta que o professor de geografia conheça bem sua área e consiga dialogar com áreas afins como história; ele precisa entender de ética, política, amor, projetos, família. Não se pode compartimentar o conhecimento e contentar-se com bons especialistas em cada uma das áreas.

Para que um professor desempenhe com maestria a aula na matéria de sua especialidade, ele precisa conhecer as demais matérias, os temas transversais que devem perpassar todas elas e, acima de tudo, conhecer o aluno. Tudo o que diz respeito ao aluno deve ser de interesse do professor. Ninguém ama o que não conhece, e o aluno precisa ser amado! E o professor é capaz de fazer isso. Para quem teve uma formação rígida, é difícil expressar os sentimentos; há pessoas que não conseguem elogiar, que não conseguem abraçar, que não conseguem sorrir. O professor tem de quebrar essas barreiras e trabalhar suas limitações e as dos alunos.

Não há como separar o ser humano profissional do ser humano pessoal. Certamente o professor, como qualquer pessoa, terá seus problemas pessoais, chegará à escola mais sisudo que o habitual e terá mais dificuldade em desempenhar seu trabalho em sala de aula. Os alunos notarão a diferença e a eventual impaciência do professor nesse dia, mas eles não sabem os motivos da sisudez do mestre e podem interpretar erroneamente. Exatamente por isso é preciso cuidar para que contrariedades pessoais não venham à tona, causando mágoas e ressentimentos.

Ao enfrentar problemas de ordem pessoal o professor deve procurar o melhor meio para sair do estado de espírito sombrio e poder desempenhar seu trabalho com serenidade. A leitura dos clássicos, o contato com a arte, com a natureza, uma boa terapia, uma reflexão mais profunda sobre a contrariedade por que se está passando pode ajudar muito. Ninguém é mau em essência, como já dissemos, mas um professor descontrolado deve rever seu comportamento sob pena de ser mal interpretado por seus alunos.

Sabe-se que a dificuldade financeira é um obstáculo para a maior parte dos professores deste país, mas não pode servir de desculpa: há numerosos programas culturais gratuitos, há bibliotecas públicas, a natureza está aí e não cobra nada para ser contemplada. Não se trata de ignorar a lamentável situação em que se encontram os professores no que diz respeito aos patamares salariais. Essa classe vem sendo tratada com desrespeito pela grande maioria dos administradores públicos do país. Para obras de cimento e cal sempre há dinheiro, para um salário digno de quem forma o cidadão brasileiro não há verbas. Entretanto, isso não pode ser desculpa para a acomodação, para a negligência ou para a impaciência. O professor tem o direito constitucional de fazer greve e ninguém pode deixar de respeitá-lo por isso, mas não tem o direito de ser negligente, incompetente, displicente, porque o aluno não tem culpa. Se o problema é com os administradores, eles é que devem ser enfrentados. É melhor entrar em greve, com todos os problemas decorrentes disso, do que dar uma aula sem alma apenas porque não se ganha o suficiente.

Desde os primórdios da cultura grega, o professor se encontrar em uma posição de importância vital para o amadurecimento da sociedade e a difusão da cultura. As escolas de Sócrates, Platão e Aristóteles demonstram a habilidade que tinham os pensadores para discutir os elementos mais fundamentais da natureza humana. Não perdiam tempo com conteúdos engessados. Discutiam o que era essencial. Sabiam o que era essencial porque viviam da reflexão, e a aula era o resultado de um profundo processo de preparação. Assim foi a escola de Abelardo, com os alunos quase extasiados pelo carisma do professor e pela forma envolvente e sedutora como eram tratados os temas. Sócrates andava com seus alunos e ironizava a sociedade da época com o objetivo de fazê-los pensar, de provocar-lhes a reflexão, o senso crítico. Não se conformava com a passividade de quem acha que nada sabe e nunca conseguirá saber nem com a arrogância de quem acredita que tudo sabe e, portanto, nada mais há que mereça ser estudado ou refletido.

Jesus Cristo, o maior de todos os mestres da humanidade, contava histórias, parábolas e reunia multidões ao seu redor, fazendo uso da pedagogia do amor. Quem era esse pregador que falava de forma tão convincente, ensinava sobre um novo reino e olhava nos olhos com a doçura e a autoridade de um verdadeiro mestre? A multidão vinha de longe para ouvi-lo falar, para aprender sobre esse novo reino e sobre o que seria preciso fazer para alcançar a felicidade. O grande mestre não precisava registrar as matérias, não se desesperava com o conteúdo a ser ministrado nem com a forma de avaliação, se havia muitos discípulos ou não. Jesus sabia o que queria: construir a civilização do amor. E assim navegava em águas tranqüilas, na maré correta, com a autoridade de quem tem conhecimento, de quem tem amor e de quem acredita na própria missão.

Sócrates e Cristo foram educadores, formaram pessoas melhores. Não há como negar que os numerosos profetas ou os simples contadores de história conseguiram tocar e educar muito mais do que qualquer professor que saiba de cor todo o plano curricular e tudo o que o aluno deve decorar para ser promovido. Ninguém foi obrigado a seguir a Cristo, não havia lista de presença nem chamada, e mesmo assim a multidão se encantava com seus ensinamentos - ele tinha o que dizer e acreditava no que dizia, por isso foi tão marcante.

O professor precisa acreditar no que diz, ter convicção em seus ensinamentos para que os alunos também acreditem e se sintam envolvidos. Precisa de preparo para ir no rumo certo e alcançar os objetivos que almeja.

O professor que não prepara as aulas desrespeita os alunos e o próprio ofício. É como um médico que entra no centro cirúrgico sem saber o que vai fazer e sem instrumentação adequada. Tudo na vida exige uma preparação. Uma aula preparada, organizada, com o conteúdo refletido muito provavelmente será bem sucedida. Aula previamente preparada não significa aula engessada: não lhe dará o direito de falar compulsivamente, sem permitir intervenção do aluno, não dialogar com a vida, não dar ensejo a dúvidas; o professor não deixará de discutir outros temas que surgirem apenas porque tem que cumprir o roteiro de aula que preparou. Pode até ocorrer que ele dê uma aula diferente daquela que planejou, mas isso é enriquecedor.

Preparação é planejamento. Muitos professores fazem o planejamento do início do ano de qualquer maneira, apenas para cumprir exigências formais. É lamentável. Se o professor investir tempo refletindo cada item de seu planejamento, sem dúvida terá muito menos trabalho durante o ano para o cumprimento de seus objetivos porque planejou, sabe onde quer chegar, sabe o tipo de habilidade que precisa ser trabalhada e como avaliar o processo do aluno.

A partir da minha experiência por meio de contatos no Brasil e fora daqui, passo agora a compor um quadro com os tipos mais comuns de professor que se pode encontrar. Como todo o respeito que merece a categoria como um todo, nota-se freqüentemente a recorrência dos mesmos gêneros de atuação em sala.



PROFESSOR ARROGANTE

Ele se acha o detentor do conhecimento. Fala de si o tempo todo e coloca os alunos em um patamar de inferioridade. Ao menor questionamento, pergunta quantas faculdades já fez o aluno, se já escreveu algum livro, se já defendeu teses, para se mostrar superior. Gosta de parecer um mito; teima em propalar, às vezes inventando, os elogios que recebe em todos os congressos dos quais participa; conta histórias a respeito de si mesmo para mostrar quanto é competente e querido. Não gosta de ser interrompido, não presta atenção quando algum aluno quer lhe contar um feito seu. Só ele interessa; só ele se basta.

O que se pode dizer é que o professor arrogante tem uma rejeição a si mesmo e não acredita em quase nada do que diz. Como sofre, possivelmente, de complexo de inferioridade, precisa de auto-afirmar usando a platéia cativa de que dispõe: os alunos.


PROFESSOR INSEGURO

Tem medo dos alunos; teme ser rejeitado, não conseguir dar aula, não ser ouvido porque acha que sua voz não é tão boa. Não sabe como passar a matéria apesar de ter preparado tudo; acha que talvez fosse melhor usar outro método; teme que os alunos não gostem de sua forma de avaliação. Começa a aula várias vezes e se desculpa, e pede ainda que esqueçam tudo, e recomeça. Tem receio de que os pais dos alunos não gostem de sua forma de relacionamento com eles, receia também a direção da escola, os outros professores e se vê paralisado, com seu potencial de educador inutilizado.

O medo de fato paralisa e dificulta o crescimento profissional. Apesar de ser um sentimento normal e freqüente, é preciso que seja trabalhado. Um ator quando entra em cena geralmente está tenso, nervoso, mas seu talento consiste em não transmitir essa sensação para a platéia. Ele precisa confiar no que está fazendo e superar a insegurança. Se o professor não acreditar no que diz, será ainda mais difícil ao aluno fazê-lo.


PROFESSOR LAMURIANTE

O professor lamuriante reclama de tudo o tempo todo. Reclama da situação atual do país, da escola, da falta de participação dos alunos, da falta de material para dar um bom curso, do currículo, das poucas aulas que tem para ministrar sua matéria. Passa sempre a impressão de que está arrasado e não encontrar prazer no que faz. Às vezes se aproveita da condição de professor e usa a turma para fazer terapia. Fala do filho, da filha, da empregada, da cozinheira, da ingratidão de amigos etc. Mais uma vez, se trata do abuso da platéia cativa.

A dignidade de um profissional é requisito básico para uma relação de trabalho. No magistério, essa norma é um mandamento, na medida em que o professor trata com pessoas em formação, que não são seus iguais em nenhuma hipótese.


PROFESSOR DITADOR

É aquele que não respeita a autonomia do aluno. Trabalha como se fosse um comandante em batalha; exige disciplina a todo o custo. Grita e ameaça. Não quer um pio, zela pela sala como se fosse um presídio; ninguém pode entrar atrasado nem sair mais cedo; ninguém pode ir ao banheiro, é preciso disciplinar também as necessidades fisiológicas. Dia de prova parece também dia de glória: investiga aluno por aluno, proíbe empréstimo de material, ameaça quem olhar para o lado. Tem acessos de inspetoria higiênica, investiga as unhas das mãos e os cabelos. Grita exigindo silêncio quando o silêncio já reinava desolado na sala.

O professor ditador está perdido na necessidade de poder. Poder e respeito não se impõem, se conquistam. Há determinadas práticas que se perpetuam sem razão; são contraproducentes e muito danosas para o aluno mas, principalmente, fazem muito mal ao professor que as revive.


PROFESSOR BONZINHO

Diferentemente do ditador, o bonzinho tenta forçar amizade com o aluno. Gosta de dizer quanto gosta dos alunos. Traz presentes, dá notas altas indiscriminadamente. Seus alunos decidem se querem a prova com ou sem consulta, em grupo ou individualmente, depois propala sua generosidade. Às vezes ainda tem a audácia de se comparar aos colegas, afirmando que os outros professores não fariam isso. Durante a prova responde as questões para os alunos, para que não fiquem tristes, para que não tirem nota baixa. Concede outra chance e dá outra prova para quem foi mal, idêntica à anterior só para tirar uma nota “bem boa”. Pede desculpa quando a matéria é muito difícil e só falta pedir desculpa por ter nascido.

A amizade também é um processo de conquista e esse professor acaba sendo motivo de chacota entre os alunos. Tudo o que vem dele parece forçado porque procede de uma carência de atenção e de uma necessidade infantil de aceitação.


PROFESSOR DESORGANIZADO

Esse aparece em aula sem a menor idéia do que vai tratar. Não lê, não prepara as aulas, não sabe a matéria e se transforma em um tremendo enrolador. Sua desorganização é aparente: como não faz planejamento, não sabe o tipo de tarefa que vai propor, então inventa na hora e na aula seguinte não se lembra de cobrar os alunos nem comenta sobre o que havia pedido. Como não sabe o que vai ministrar, põe-se a conversar com os alunos e a discutir banalidades. De repente, para dinamizar a aula, resolve promover um debate: o grupo A defende a pena de morte, o grupo B será contrário à pena de morte, sem nenhum preparo anterior, nenhum subsídio contra ou a favor.

O profissional precisa ter método. A organização é prova do compromisso que ele tem para com os alunos. A improvisação, muitas vezes necessária e enriquecedora, não prescinde do planejamento, como já dissemos.

PROFESSOR OBA-OBA

Tudo é festa! Esse tipo adora as dinâmicas em sala. Projeta muitos filmes, leva algumas reportagens; faz com que os alunos saiam da sala para observar algum fenômeno na rua ou no céu, fala em quebra de paradigmas, tudo conforme pregam os chamados consultores de empresas, mas sem amarração, sem objetividade. A dinâmica pode ser ótima, mas é preciso que o aluno entenda por que ele está fazendo parte daquela atividade. O filme pode ser fantástico, mas se cada dia vier um filme diferente e não houver discussão, aprofundamento, perde-se o sentido.

Há aquele professor que gosta de levar música para a sala de aula, comentar uma letra da MPB ou explicar As quatro estações, de Vivaldi. É interessante, desde que não se faça isso sempre, porque os alunos sentem falta do nexo com a matéria que devem aprender. E o que deveria ser um elemento agradavelmente surpreendente se transforma em motivo de chacota.

Esse professor é bem intencionado, não há dúvida. Mas falta-lhe estabelecer com os alunos a relação desses jogos de sensibilização com o conteúdo da matéria que cabe a ele ministrar.


PROFESSOR LIVRESCO

Ao contrário do oba-oba, o professor livresco tem uma vasta cultura. Possui um profundo conhecimento da matéria, mas não consegue relacioná-la com a vida. Ele entende de livros, não do cotidiano. Além disso, não utiliza dinâmica alguma, não muda a tonalidade da voz, permanece o tempo todo em apenas um dos cantos da sala e suas ações são absolutamente previsíveis. Todos sabem de antemão como vai começar e como vai terminar a aula; quanto tempo será dedicado para a exposição da matéria, quanto tempo para eventuais questionamentos. Não importa se o aluno está acompanhando ou não seu raciocínio, ele quer dizer tudo o que preparou para ser dito.

Apesar de ter embasamento, dominar o conteúdo, é necessário aprimorar a forma, trabalhar com a habilidade da didática. Ensaiar mudança na metodologia. Às vezes, o professor livresco piora quando resolve inovar: leva um retroprojetor para a sala, e as lâminas contêm, transcrito, tudo o que vai ler em voz alta. E aquela aula se torna interminável e cansativa.

PROFESSOR "TÔ FORA"

Ele não se compromete com a comunidade acadêmica. Não quer saber de reunião, de preparação de projetos comuns, de vida comunitária. Nem festa junina, nem gincana cultural ou esportiva, nem festa de final de ano. Ele dá sua aula e vai embora. Muitas vezes é até bom professor, mas não evolui sua relação social nem o conteúdo interdisciplinar porque não está presente. Alguns são arrogantes a ponto de achar que não têm o que aprender, que estão acima dos outros professores e portanto não vão ficar discutindo bobagens. Outros estão preocupados com as lutas do dia-a-dia pela sobrevivência e como não estão ganhando para trabalhar em festas juninas, por exemplo, se negam a participar.

O processo educativo é comunitário. O bom ambiente escolar depende da participação de todos. A mudança dos paradigmas ocorre quando cada um dá sua parcela de contribuição e é capaz de permitir que o outro também opine, também participe. Ninguém é uma ilha de excelência que prescinda de troca de experiências.


PROFESSOR DEZ QUESTÕES

Para sua própria segurança, o professor "dez questões" reduz tudo o que ministrou num só bimestre a um determinado número de questões: dez, nove, 15, não importa. Ele geralmente passa toda a matéria no quadro-negro ou em forma de ditado. Quando há livro, pede que os alunos leiam o que está ali e façam resumo ou respondam às questões. Corrige, se necessário, questão por questão. Geralmente as questões não são relacionais, não são críticas.

No campo das ciências exatas, o aluno deve decorar as fórmulas para a solução dos problemas. E no fim do bimestre o professor apresenta algumas questões que os alunos devem decorar para a prova. Em sua "generosidade" avisa que dessas dez questões vai usar apenas cinco na prova. Ou alunos decoram ou, se forem mais astutos, colam; acabada a prova, joga-se fora a cola ou joga-se fora da memória aquilo que foi decorado. No outro bimestre, como o ponto é outro, haverá outras dez questões para ser decoradas e assim sucessivamente: a aprendizagem não significou nada a não ser algumas técnicas de memorização e de burla.

É inadmissível que com tantos recursos à disposição um professor se sirva de técnicas antiquadas e sem sentido. Exigir que um aluno decore coisas cujo sentido ele nem percebe, que nem mesmo tornarão a ser mencionadas no decorrer dos estudos, constitui um absurdo que será antes de mais nada constatado pelo próprio aluno.


PROFESSOR TIOZINHO

"Tiozinho", no sentido depreciativo, é aquele professor que gasta aulas e mais aulas dando conselhos aos alunos. Trata-os como se fossem seus sobrinhos, quer saber tudo sobre a vida deles, o que fazem depois da escola, aonde vão, os lugares que freqüentam e emite opiniões em assuntos de cunho privado que absolutamente não competem a ele. O professor tiozinho de sente um pouco psicólogo também, e maus psicólogo, é claro. Começa desde logo a diagnosticar os problemas dos alunos e se acha qualificado para isso.

Geralmente o conselho não funciona com o aluno. O espaço que o professor dá é aquele que permite ao aluno sentir-se à vontade para conversar, nunca para que se sinta obrigado a expor sua vida privada em sala porque o professor quer ser um "tio" bom. E isso não muda comportamento; a amizade e a confiança não podem ser forçadas, nascem de um movimento natural de convivência saudável.

PROFESSOR EDUCADOR

O professor que se busca construir é aquele que consiga de verdade ser um educador, que conheça o universo do educando, que tenha bom senso, que permita e proporcione o desenvolvimento da autonomia de seus alunos. Que tenha entusiasmo, paixão; que vibre com as conquistas de cada um de seus alunos, não discrimine ninguém, não se mostre mais próximo de alguns, deixando os outros à deriva. Que seja politicamente participativo, que suas opiniões possam ter sentido para os alunos, sabendo sempre que ele é um líder que tem nas mãos a responsabilidade de conduzir um processo de crescimento humano, de formação de cidadãos, de fomento de novos líderes.

Ninguém se torna um professor perfeito, aliás aquele que se acha perfeito, e portanto nada mais tem a aprender, acaba se transformando num grande risco para a comunidade educativa. No conhecimento não existe o ponto estático - ou se está em crescimento, ou em queda. Aquele que se considera perfeito está em queda livre porque é incapaz de rever seus métodos, de ouvir outras idéias, de tentar ser melhor.

A grande responsabilidade para a construção de uma educação cidadã está nas mãos do professor. Por mais que o diretor ou o coordenador pedagógico tenham boa intenção, nenhum projeto será eficiente se não for aceito, abraçado pelos professores porque é com eles que os alunos têm maior contato.


O artigo 13 da LDB sobre a função dos professores:


Artigo 13 - Os docentes incumbir-se-ão de:
I. participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
II. elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
III. zelar pela aprendizagem dos alunos;
IV. estabelecer estratégias de recuperação dos alunos de menor rendimento;
V. ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;
VI. colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.


Nota-se que o papel do professor, segundo a LDB, está muito além da simples transmissão de informações. Dentro do conceito de uma gestão democrática, ele participa da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino, isto é, decide solidariamente com a comunidade educativa o perfil de aluno que se quer formar, os objetivos a seguir, as metas a alcançar. E isso não apenas no tocante a sua matéria mas toda a proposta pedagógica.

A LDB discorre sobre a elaboração e o cumprimento do plano de trabalho, trazendo à tona a organização do professor e a objetividade no exercício de sua função. No tocante à aprendizagem dos alunos, fala em zelo no sentido de acompanhamento dessa aprendizagem, que se dá de forma heterogênea, individual. Zelar é mais do que avaliar, é preocupar-se, comprometer-se, buscar as causas que dificultam o processo de aprendizagem e insistir em outros mecanismos que possam recuperar os alunos que apresentem alguma espécie de bloqueio para o aprendizado.

O professor só conseguirá fazer com que o aluno aprenda se ele próprio continuar a aprender. A aprendizagem do aluno é, indiscutivelmente, diretamente proporcional à capacidade de aprendizado dos professores. Essa mudança de paradigma faz com que o professor não seja o repassador de conhecimento, mas orientador, aquele que zela pelo desenvolvimento das habilidades de seus alunos. Não se admite mais um professor mal formado ou que pare de estudar.

O professor deve colaborar nas atividades de articulação da escola, com as famílias e a comunidade. Aliás, para que o processo de aprendizagem seja eficiente, os atores sociais precisam participar e essa articulação é imprescindível. A parceria escola/família, escola/comunidade é vital para o sucesso do educando. Sem ela a já difícil compreensão do mundo por parte do aluno se torna cada vez mais complexa. Juntas, sem denegar responsabilidades, a família, a escola, a comunidade podem significar um avanço efetivo nesse novo conceito educacional: a formação do cidadão."


"Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive."

(Ricardo Reis)

(Esse trecho faz parte do livro Educação - A solução está no afeto, de Gabriel Chalita, Editora Gente)


Didática


A palavra didática (didática) vem da expressão grega Τεχνή διδακτική (techné didaktiké), que se pode traduzir como arte ou técnica de ensinar. A Didática é a parte da pedagogia que se ocupa dos métodos e técnicas de ensino destinados a colocar em prática as diretrizes da teoria pedagógica. A didática estuda os processos de ensino e aprendizagem.

Os elementos da ação didática são:

Comenius

Jan Amos Komenský (em português Comenius ou Comênio) (28 de março de 1592 - 15 de novembro de 1670) foi um professor, cientista e escritor checo, considerado o fundador da Didática Moderna.

Propôs um sistema articulado de ensino, reconhecendo o igual direito de todos os homens ao saber. O maior educador e pedagogo do século XVII, produziu obra fecunda e sistemática, cujo principal livro foi a DIDÁTICA MAGNA. São suas propostas:

  • A educação realista e permanente;
  • Método pedagógico rápido, econômico e sem fadiga;
  • Ensinamento a partir de experiências quotidianas;
  • Conhecimento de todas as ciências e de todas as artes;
  • Ensino unificado.

Entre os anos 20 e 50

Nesse período a Didática praticada é a da Escola Nova, que buscou superar os postulados da Escola Tradicional, trazendo assim uma reforma interna na escola. O movimento da Escola nova defendia a necessidade de partir dos interesses da criança, abandonando a visão da criança como um adulto em miniatura passando a considerá-la capaz de adaptar-se a cada fase de seu desenvolvimento. Foi a fase do aprender fazendo, momento em que os jogos educativos passam a ter um papel importante.

Entre os anos 60 e 80

Nesse período a didática assume o enfoque teórico numa dimensão denominada tecnicista, e deixa o enfoque humanista centrado no processo interpessoal, para uma dimensão técnica do processo ensino-aprendizagem.

A era industrial faz-se presente na escola e a Didática é vista como uma estratégia objetiva, racional e neutra do processo. O referencial principal do ensino é a fábrica e sobre ela se constroem as práticas educativas e as conceitualizações referentes à educação.

Dos anos 90 até a atualidade

A Didática tornou-se um instrumento para a cooperação entre docente e discente, para que realmente ocorra a apropriação dos processos de ensinar e de aprender. Para isso é importante o comprometimento de ambos para que o conhecimento realmente aconteça.

Considerações Finais

Um esclarecimento final, sobre o conceito foco da Didática: o Ensino. Revela uma intenção: a de produzir aprendizagem; é palavra-ação, palavra-ordem, palavra-prospectiva, palavra que revela um resultado desejado. Mas, depois de PIAGET, não se pode mais entender o ensino como a simples apropriação de um conteúdo: uma informação, um conhecimento ou uma atitude, por exemplo. O ato assimilador, essência da aprendizagem legítima, correspondente ao ensino que merece esse nome, terá como subproduto (sub ou super?) alguma mobilização da inteligência redundando em progresso cognitivo, em capacidade ampliada para conhecer ( ou aprender).

É desse fenômeno que trata a Didática: do ensino que implica desenvolvimento, melhoria. E mais: não se limita o bom ensino ao avanço cognitivo intelectual, mas envolverá igualmente progressos na afetividade, moralidade ou sociabilidade, por condições que são do desenvolvimento humano integral.

Quero, ainda, deixar claro que, do meu ponto de vista, a Didática, como disciplina e campo de estudos, parece acelerar o progresso no sentido de uma autoconsciência de sua identidade - encontrada em seu núcleo central - e de sua necessária interdisciplinaridade. Conseguir plenamente a autonomia, sem prejudicar suas fecundas relações com disciplinas afins, é um projeto que, a meu ver, depende tanto de um esforço teórico e reflexivo, quanto de um avanço no campo experimental.

Creio que é tarefa para o século XXI.

REFERÊNCIAS

  • OLIVEIRA, Maria Rita, N.S. A reconstrução da Didática - elementos teórico-metodológicos. Campinas. Papirus. 1992.

  • SAVIANI, Dermeval. Sobre a natureza e especificidade da educação. 22.MEC/INEP. Brasília. 1984:1-6.

TEXTO COMPLEMENTAR - Didática, Professor! Didática!

No processo ensino-aprendizagem, em qualquer contexto em que se esteja inserido, é necessário que se conheça as categorias que integram este processo como elementos fundamentais para um melhor aproveitamento da aprendizagem.

A pedagogia, enquanto ciência específica da educação, vem, cada vez mais, perdendo sua dimensão de ciência e sua importância nos procedimentos de sala de aula. Hoje, qualquer corrente da ciência propõe-se a emitir opiniões sobre questões específicas da prática pedagógica. No processo de facilitação da aquisição do conhecimento é básico o manejo adequado da forma e/ou dos procedimentos utilizados na transformação do saber. É necessário ter clareza sobre o contexto teórico do qual partimos, já que, no mundo moderno, os educadores, de uma forma geral, vêm brincando com o processo ensino-aprendizagem, usando técnicas de forma errada ou mal compreendidas. Assim, um professor de matemática, que teve toda sua formação voltada para a ciência matemática, coloca-se na posição de profundo conhecedor de técnicas de transmissão de conhecimentos, sem se preocupar com a verdadeira função de fazer com que os alunos aprendam. Citamos a matemática como exemplo, mas outros campos da ciência poderiam servir como modelo.

Pode ser que quem esteja lendo este texto há de dizer: " - Mas o professor de matemática, assim como os professores de todas as matérias, devem ter tido a matéria de Didática no seu curso de licenciatura." É verdade. Só que acreditamos que o curso ministrado a eles, é exercido por um professor de Didática que, ele mesmo, não se preocupa com ela na sala de aula, no momento de transmissão de conhecimentos. Para sustentar tal afirmação convocamos os alunos e ex-alunos da matéria de Didática para testemunharem sobre a qualidade da maioria destas aulas. E a realidade nos mostra que, para piorar a situação, normalmente são os piores professores. São aqueles que estão começando a lecionar. Como se a Didática fosse uma matéria menor. Ou seja, uma matéria para principiantes da profissão de professor na área de Educação.

Historicamente o professor, como detentor de um inegável poder, aprendeu a responsabilizar seus alunos pelo fracasso do processo de ensino/aprendizagem. Nesta condição, quando o aluno não aprende, a culpa é sempre do aluno, nunca do professor que é sábio e autoridade na matéria lecionada. Nós, educadores de uma forma geral, aceitamos a idéia de que a responsabilidade da aprendizagem da turma nunca é do professor. Se um grupo de alunos não obtém rendimento satisfatório é porque são relapsos e não estudaram o suficiente para serem aprovados. Existem casos em que a metade da turma é reprovada e isso é encarado com toda a naturalidade pela comunidade escolar. Quando muito, dizem que o professor que reprova muitos alunos é "durão". Alguns professores sentem-se, inclusive, orgulhosos desta condição.

Neste sentido, não é mais o professor que detém a responsabilidade profissional de fazer com que o aluno, objeto de seu trabalho, aprenda. Ao contrário, é o aluno que passa a ter a responsabilidade de aprender. Resumindo: se o aluno aprende, isto se deve, de fato, a competência do professor; se o aluno não aprende, o professor continua atestando sua competência, porque ele ensinou mas os alunos não aprenderam.

Isto perspassa pela consciência dos professores, de uma maneira geral. O espírito de corpo do professorado não permite sequer pensar de maneira diferente. Não conseguimos perceber nem mesmo que esta é nossa fundamental tarefa profissional. Ou seja, fazer com que os alunos aprendam. O trabalho do educador consiste em transmitir conhecimentos de maneira eficaz, assim como o médico tem por tarefa resolver o problema de saúde de seu cliente.

A profissão de educador, neste sentido, perde totalmente sua seriedade e responsabilidade profissional. O professor não se apercebe da responsabilidade pelo resultado de seu trabalho, enquanto em outras profissões ela é absoluta e não se pode pensar de maneira diferente. No caso da medicina, o médico não pode sequer admitir o erro de diagnóstico. O de tratamento, então, nem pensar. Na engenharia a dimensão da responsabilidade é a mesma. Já imaginaram um engenheiro projetar sem pensar nos resultados de seu trabalho? Lembrem do resultado de uma ação irresponsável de um engenheiro no caso dos edifícios Palace I e II, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. E assim é para o arquiteto, para o advogado, para o químico, para o farmacêutico, para o dentista, para o pintor de paredes, para o motorista do ônibus, para a empregada doméstica, para o datilógrafo, para o ..., mas não é para o professor. Para este, o sentimento predominante é uma espécie de aprendeu, aprendeu; não aprendeu... azar.

A educação talvez seja a única atividade profissional em que o trabalhador pode não se preocupar com a responsabilidade pelo resultado de seu trabalho. No caso da educação, isto é um problema a mais para o usuário (aluno!). Ou seja, os usuários (alunos) de uma técnica específica, exercida por profissionais (professores) que deveriam ter se preparado para executá-la, são exatamente os responsabilizados pelo fracasso dela. Enfatizamos apenas que, mesmo que isto não seja percebido pela maioria dos professores, a responsabilidade pedagógica é intrínseca a dinâmica da profissão.

Voltando ao exemplo da medicina, é como se o paciente, que morresse por um erro do médico, fosse o culpado pela sua própria morte; não colaborou com a técnica empregada pelo médico e, por pura pirraça, morreu. Na educação a "morte" se dá pela má formação recebida e a utilização equivocada das técnicas aprendidas. E no caso da educação a culpa da "morte" é sempre do paciente (aliás, esse termo paciente também deveria ser usado para os alunos, porque, na maioria das vezes ... haja paciência!).

Existe na profissão de educador uma espécie de preguiça profissional, em que não há interesse de se efetivar um esforço para se superar as reais dificuldades enfrentadas no processo educativo. Assim, as desculpas são inúmeras: a principal é de que os alunos não se interessam em aprender, por mais que os professores tentem; depois vem a questão salarial; a terrível filosofia do ganha pouco, produz pouco; a falta de investimento em materiais didáticos pela instituição costuma servir de desculpa também; tem ainda a justificativa da quantidade exagerada de alunos; a falta de dinheiro para comprar livros e fazer cursos de aperfeiçoamento; diretor autoritário que impõe regras inexeqüíveis; colegas que prepararam mal seus alunos nas turmas anteriores; etc.; etc. e etc..

É preciso que se estipulem pesquisas que tentem analisar o desempenho dos professores em sala de aula. Ou seja, esclarecer a eficácia do exercício profissional de uma determinada categoria. Trata-se de saber se o trabalho exercido pelos professores vem atingindo seu objetivo de provocar mudança no saber do aluno e se esse saber é utilizado na vida prática de cada um.

Existe uma fábula que diz, mais ou menos, isso:

"Era uma vez uma tribo pré-histórica que se alimentava de carne de tigres de dentes de sabre. A educação nesta tribo baseava-se em ensinar a caçar tigres de dentes de sabre, porque disto dependia a sobrevivência de todos. Os mais velhos eram os responsáveis pela tarefa educativa. Passado algum tempo os tigres de dentes de sabre extinguiram-se. Criou-se um impasse: o apego à tradição dos mais velhos exigia que se continuasse a ensinar a caçar tigres de dentes de sabre; os mais jovens clamavam por uma reforma no ensino. O impasse perdurou por muito tempo. Mais precisamente até um dia que, por falta de alimento, a tribo extinguiu-se também."


referência:
BELLO, José Luiz de Paiva. Didática, Professor! Didática!. Pedagogia em Foco, Vitória, 1993.

Planejamento Escolar

“Ensinar não é transferir conhecimento,

mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção.
Quem ensina, aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.”
(Paulo Freire)

Ensinar bem é saber planejar.


O planejamento deve estar presente em todas as atividades escolares. É a etapa mais importante do projeto pedagógico, porque é nesta etapa que as metas são articuladas a estratégia e ambas são ajustadas às possibilidades reais. Existem 3 tipos de planejamento escolar:

  • Plano da escola
  • Plano de ensino

· Plano de aula


O plano da escola traz orientações gerais que vinculam os objetivos da escola ao sistema educacional.


O plano de ensino se divide em tópicos que definem metas, conteúdos e estratégias metodológicas de um período letivo.


O plano de aula é a previsão de conteúdo de uma aula ou conjunto de aulas.

Planejar requer:

  • Pesquisar sempre
  • Ser criativo na elaboração da aula
  • Estabelecer prioridades e limites
  • Estar aberto para acolher o aluno e sua realidade

· Ser flexível para replanejar sempre que necessário

Ao planejar devemos sempre levar em conta:

  • As características e necessidades de aprendizagem dos alunos
  • Os objetivos educacionais da escola e seu projeto pedagógico
  • O conteúdo de cada série
  • Os objetivos e seu compromisso pessoal com o ensino
  • As condições objetivas de trabalho.


Planejando devemos definir:

· O que vamos ensinar

· Como vamos ensinar

· Quando vamos ensinar

· O quê, quando e como avaliar.


Planejamento de Ensino



I – Apresentação


A construção da prática pedagógica está ligada à concepção do homem e do conhecimento que fundamenta as relações cotidianas.

É necessário, portanto, compreender a função social da escola para propiciar ao aluno a compreensão da realidade como produto das relações sociais que o homem produziu a partir de suas necessidades.


Assim como o homem produz tecnologia, (aparelhos, instrumentos, máquinas) e símbolos, (idéias, valores, crenças), ele produz a linguagem e ao produzi-la, cria a possibilidade de abstrair o mundo exterior, torna possível operar na ausência do objeto. Essa capacidade de representar faz com que o homem constitua a consciência racional.


A consciência e a criatividade precisam ser consideradas como algo a ser desenvolvido e formado pela escola.


Embora a escola divida a tarefa de educar com a família, a comunidade e os meios de comunicação, a escola ainda é o foco principal de transmissão de conhecimentos e tanto o aluno quanto o educador são os principais agentes neste processo.


Conhecimento gera conhecimento, porém não é o objeto do ensino. A escola deixou de ser a detentora e transmissora do conhecimento produzido e passou a ensinar a “aprender a aprender”, possibilitando também ao aluno um papel dinâmico na busca pelo conhecimento. A evolução do conhecimento se dá progressivamente e interativamente, através do confronto com a realidade.


A aquisição de todo conhecimento parte da ação e é nela que deverá estar baseado o ensino escolar. Ao invés de memorizar os conhecimentos expostos pelo professor, o aluno deverá aprender a sentir, perceber, compreender, raciocinar, discutir, criar e transformar.


O processo de aprendizagem é socializador e assim sendo deve ser visto como fruto de um trabalho coletivo, pois como na vida prática, também na escola é preciso saber trabalhar em equipe.


Na escola moderna, ensinar e aprender são funções tanto do professor quanto do aluno e quanto mais prazerosa for essa troca, mais rápida e eficiente será a aprendizagem.

Augusta Schimidt

Publicado no Recanto das Letras em 13/07/2005

O professor e a professora frente aos temas sociais contemporâneos - Rompendo grades curriculares

"Nunca esqueço, na história já longa de minha memória, de um desses gestos de professor que tive na adolescência remota. Gesto cuja significação mais profunda talvez tenha passado despercebida por ele. (...) Em certo momento me chama e, olhando ou re-olhando meu texto, sem dizer palavra, balança a cabeça numa demonstração de respeito e consideração. (...) Este saber, o da importância desses gestos que se multiplicam diariamente nas tramas do espaço escolar, é algo sobre o que teríamos de refletir seriamente."

(Paulo Freire)

A partir da concepção de currículo até aqui trabalhada, o papel do educador se amplia, uma vez que o aprendizado não se limita à aquisição de conhecimentos predeterminados, pensados por um seleto grupo de pessoas e impostos cronológica e funcionalmente à comunidade escolar, de maneira, muitas vezes, autoritária, superficial e apressada. Ao contrário, o desenvolvimento desse currículo no contexto escolar atende às reais necessidades da comunidade e constitui-se em uma organização coletiva da escola, junto com a comunidade, dinamizando o projeto político-pedagógico da mesma e destacando o papel social de professoras e professores. Partindo dessa premissa, a ação política do professor e da professora é, prioritariamente, articular os vários saberes, tendo por finalidade maior a aprendizagem e a promoção da cidadania. Professores e professoras, motivados por essa finalidade, manifestam os ideais que defendem: o "por quê, para quê e para quem" investem seus esforços, expressam e dão sentido à ação profissional, estabelecendo uma efetiva mediação pedagógica de apropriação, socialização e intervenção na construção cultural da humanidade.

Em uma análise apressada, pode parecer que o educador terá mais trabalho e deverá dispor de mais tempo para sua ação.

Contrariamente a esta possibilidade, nos apoiamos no relato da vivência de muitos profissionais que destacam a valiosa contribuição da diversidade metodológica, do trabalho coletivo e da contextualização do trabalho pedagógico como procedimentos capazes de promoverem aprendizagens e garantir maior satisfação em relação ao trabalho docente. É com base em novas relações sociais estabelecidas entre os participantes da escola que se fundam as possibilidades concretas de trabalho com os temas sociais contemporâneos. São reflexões a partir da diversidade e das especificidades locais para definições de formas e métodos.

Os temas sociais contemporâneos adquirem sentido de acordo com a realidade da comunidade. Assim, não é possível limitar-se aos que em geral são citados. Podem existir inúmeros outros temas a serem explorados, tendo em vista a grande extensão territorial e a diversidade cultural de nosso país.

Por princípio, não vamos aqui eleger estratégias de implementação para os temas sociais contemporâneos. Defendemos uma política de ação, em que cada instituição escolar, em parceria com sua comunidade e cada professor e professora, debatendo com seus pares e discutindo com seus alunos, desenvolvam alternativas metodológicas criativas e próprias para as questões vinculadas à sua realidade.

Entretanto, é válido sinalizar que a abordagem dos temas sociais contemporâneos deve buscar estratégias metodológicas dinâmicas e diversificadas, utilizando todos os meios possíveis, entre jornais, revistas, livros, computadores, folders, encartes, filmes, danças, músicas, passeios e outros recursos disponíveis que, certamente, contribuirão para o desenvolvimento qualitativo e ampliado das temáticas que afloram em cada realidade. Articulação e socialização com a comunidade. Talvez, nessa pequena, mas significativa expressão encontre-se a alavanca que impulsiona os desejos da escola que buscamos construir.


"Alguns homens vêem as coisas como são e dizem: – Por quê?

Eu sonho com as coisas que nunca foram e digo: – Por que não?”

Bernard Shaw

Bibliografia:

ALVES, Nilda (org.). Formação de Professores. Pensar e Fazer. São Paulo, Cortez, 2002.

BARBOSA, Najla & MOTA, Carlos. Currículo e diversidade cultural. In: Curso PIE/FE/UnB, Brasília, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia e Autonomia - Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Brasil: Paz e Terra, 1997. (Coleção Leitura)

domingo, 13 de abril de 2008

Políticas Educacionais Brasileiras

Políticas Educacionais no Brasil

“O nosso maior objetivo deve ser o de desenvolver seres humanos livres, capazes por si próprios, de imprimir propósitos e direção às suas vidas”. (Rudolf Steiner)

Impasse para a educação

A informatização da sociedade é presente em todo o mundo e mesmo em países como o Brasil, onde as desigualdades sociais e regionais são muito grandes, ela é determinante, principalmente em termos de mercado de trabalho. Em relação aos sistemas de comunicação o Brasil está plenamente inserido no mercado planetário, estando o maior grupo de comunicação brasileiro - a Rede Globo de Televisão - associada a um dos cinco maiores conglomerados de comunicação do mundo.

Esta distância entre o mundo da informática e da comunicação com o mundo da educação é muito grande, induzindo-nos a pensar num impasse. Tem sentido continuarmos investindo neste sistema que não consegue dar conta destas transformações? Está claro que necessitamos de muito mais do que simplesmente aperfeiçoar o sistema. O momento exige uma profunda transformação estrutural do sistema educacional.

Este contexto de mudanças impõe-nos uma reflexão mais profunda sobre os nossos sistemas educacionais, ainda centrados em velhos paradigmas, muitas vezes enfatizando apenas a formação de mão de obra, sem perceber a velocidade com que o mundo se transforma.

Como afirma Francisco de Oliveira;

“Num mundo que se corre com esta velocidade, com transformações que não esperam amanhecer o dia para serem anunciadas, uma inserção rápida da economia brasileira no sistema internacional, com estes critérios seguramente vai nos conduzir não mais para uma exploração de mão-de-obra barata, porque não se está mais atrás disso: tecnologia de ponta não se faz com mão de obra barata.”

Passados cerca de sete anos desta fala de Francisco de Oliveira, continuamos a perceber um caminhar nesta direção. Em documento interno da Faculdade de Educação da UFBA para subsidiar a discussão sobre o Parâmetros Curriculares Nacionais, reforçava-se a necessidade de um sólida formação dos profissionais da educação.

Não é mais possível em mais uma proposta de governo ser "esquecida" a obrigação dos dirigentes da nação com a formação sólida e continuada dos principais formadores de mentalidade do país. Tal esquecimento nos faz pensar que esse governo, também como tantos outros na nossa história, compreende que o despreparo dos professores e professoras foi e será um dos mecanismos 'para mantê-los fracos e disponíveis às manobras e conchavos políticos-burocráticos' (ARROYO, 1988) formando outros cidadãos e cidadãs fracos e disponíveis às mesmas manobras e conchavos.

A transformação do sistema educacional passa, portanto, necessariamente, pela transformação do professor. Não podemos continuar pensando em formar professores com teorias pedagógicas que se superam quotidianamente, centradas em princípios totalmente incompatíveis com o momento histórico. Nossos currículos, programas, materiais didáticos, incluindo os novos e sofisticados multimídias, software educacionais, vídeos educativos, continuam centrados em três grandes falácias, como afirmou Emilia Ferreiro para a Revista TV Escola. Segundo ela, insistimos que o aprendizado se dá sempre do concreto para o abstrato, do próximo para o distante e do fácil para o difícil.

Continuar trabalhando nesta perspectiva é desconhecer completamente as transformações que estamos vivendo no mundo contemporâneo e os novos elementos que estão fazendo parte da realidade de nossos jovens e adolescentes.

Precisamos compreender mais de que forma esta geração X (novas tribos) convive simultaneamente com os games, televisões, Internet, esportes radicais, tudo simultaneamente, de forma múltipla e fragmentada ao mesmo tempo. Esta geração já relaciona-se com as novas mídias de forma diversa e existe em gestação um novo processo de produção de conhecimento, ainda desconhecido pela escola.

Para Douglas Rushkoff, ao analisar como a cultura das crianças nos ensina a prosperar na era do Caos. Essa geração não procura respostas nos meios de comunicação mas sim perguntas. Eles entendem a descontinuidade e conseguem estabelecer com ela uma relação de produção de conhecimento. "Para a audiência jovem, a descontinuidade dos meios não é uma exceção, é a regra".

Compreender os novos processos de aquisição e construção do conhecimento é básico para tentarmos superar este impasse. Esta compreensão, por outro lado, empurra-nos necessariamente para considerar como fundamental a introdução das chamadas novas tecnologias da comunicação e informação nos processos de ensino-aprendizagem.

No entanto, a pura e simples introdução destas tecnologias não é garantia desta transformação. Esta introdução é, portanto, uma condição necessária mas não suficiente para que tenhamos um sistema educacional compatível com o momento histórico. Desta forma, introduzir estas tecnologias exige compreender de forma mais ampla a necessidade de fortalecer os nós - as unidades escolares que por sua vez articulam-se intensamente com os valores locais - de tal forma a dar maior visibilidade aos nós desta rede, aumentando concomitantemente a conectividade entre estes nós, estabelecendo-se com isso esta rede de conexões. Mas não apenas a rede física.

A escola, conectada, interligada, integrada, articulada com o conjunto da rede, passa a ser mais elementos deste processo coletivo de produção de conhecimento. Esta navegações, portanto, são praticamente sem limites. Como diz Pierre Levy,

Navegar no ciberespaço equivale a passar um olhar consciente sobre a interioridade caótica, o ronronar incansável, as banais futilidades e as fulgurações planetárias da inteligência coletiva.

O acesso ao processo intelectual do todo informa o de cada parte, indivíduo ou grupo, e alimenta em troca o do conjunto. Passa-se então da inteligência coletiva para o coletivo inteligente.

Esta passagem não corresponde à um aperfeiçoamento do sistema educacional. Ele exige uma transformação profunda, exigindo consequentemente, políticas educacionais coerentes com as transformações da sociedade como um todo.

As políticas educacionais no contexto do neoliberalismo

A conjuntura das políticas educacionais no Brasil ainda demonstra sua centralidade na hegemonia das idéias liberais sobre a sociedade, como reflexo do forte avanço do capital sobre a organização dos trabalhadores na década de 90. A intervenção de mecanismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial, aliado à subserviência do governo brasileiro à economia mundial, repercutem de maneira decisiva sobre a educação. Em contrapartida, a crise do capitalismo em nível mundial, em especial do pensamento neoliberal, revela, cada vez mais, as contradições e limites da estrutura dominante. A estratégia liberal continua a mesma: colocar a educação como prioridade, apresentando-a como alternativa de “ascensão social” e de “democratização das oportunidades”. Por outro lado, a escola continua sendo um espaço com grande potencial de reflexão crítica da realidade, com incidência sobre a cultura das pessoas. O ato educativo contribui na acumulação subjetiva de forças contrárias à dominação, apesar da exclusão social, característica do descaso com as políticas públicas na maioria dos governos.

1. A ideologia e a educação

A relação da ideologia com a educação foi bastante polêmica ao longo da história. Embora o termo tenha sido primeiramente utilizado em 1801, é com o advento do marxismo que a ideologia assume uma maior importância para o pensamento humano. Conforme Marilena Chauí, o marxismo entende a ideologia como “um instrumento de dominação de classe e, como tal, sua origem é a existência da divisão da sociedade em classes contraditórias e em luta”. Além disso, a utilização do termo confunde-se com o significado de crenças e ilusões que se incorporam no senso comum das pessoas. “A ideologia é ilusão, isto é, abstração e inversão da realidade, ela permanece sempre no plano imediato do aparecer social. (...) A aparência social não é algo falso e errado, mas é o modo como o processo social aparece para a consciência direta dos homens”.

Diferente da maioria dos marxistas, para os quais a ideologia consiste na expressão de interesses de uma classe social, para Karl Manheim o que define a ideologia é o seu poder de persuasão, sua “capacidade de controlar e dirigir o comportamento dos homens” . Nicola Abagnano, reforça a teoria de Manheim dizendo que “o que transforma uma crença em ideologia não é sua validade ou falta de validade, mas unicamente sua capacidade de controlar os comportamentos em determinada situação” .

A compreensão de ideologia como expressão de interesses e “falsificação da realidade” com vistas ao controle social, permite a conclusão, do ponto de vista marxista, de que a estrutura social dominante constitui “aparelhos ideológicos” em forma de superestrutura, mantendo a opressão. Segundo Louís Althusser a escola é o principal aparelho ideológico da sociedade e, em seu entendimento, como a estrutura determina a superestrutura, não é possível qualquer mudança social a partir da educação. Moacir Gadotti considera a posição de Althusser bastante equivocada do ponto de vista da emancipação humana, pois gera uma situação de passividade e impotência, o que revela um caráter ideológico de sua própria teoria, já que “a subserviência da omissão interessa mais à dominação do que o combate a favor dela”. Para Gadotti, “se aceitarmos a análise de Althusser, certamente a educação enquanto sistema ou subsistema é um aparelho ideológico em qualquer sistema político. Mas se aceitarmos que ela é também ato, práxis, então as coisas se complicam. Não podemos reduzir a educação, a complexidade do fenômeno educativo apenas às suas ligações com o sistema”.

De certa forma, Gramsci é que dá um novo rumo ao conceito de ideologia e, com isso, fornece valiosas contribuições para a construção da educação voltada para a transformação social. Um dos conceitos fundamentais adotados por Gramsci é o de hegemonia que, segundo ele, se dá por consenso e/ou coerção. Na sociedade dividida em classes, temos uma constante luta pela hegemonia política e a ideologia assume o caráter de convencimento, o primeiro recurso utilizado para a dominação. Do ponto de vista dos oprimidos, o embate ideológico contra a hegemonia burguesa se dá em todos os espaços em que esta se reproduz, como por exemplo, a escola. Temos então, uma luta de posição na escola, colocando a política, luta pelo poder, como o centro da ação pedagógica.

A educação, portanto, é um espaço social de disputa da hegemonia; é uma prática social construída a partir das relações sociais que vão sendo estabelecidas; é uma “contra-ideologia”. Nesta perspectiva, é importante situar a posição do educador na sociedade, contribuindo para manter a opressão ou se colocando em contraposição à ela. Se o educador é um trabalhador em educação, parece coerente que este seja aliado das lutas dos trabalhadores enquanto classe, visto que as suas conquistas sociais, aparentemente mais imediatas, também dependem de vitórias maiores no campo social. Nessa perspectiva, é coerente que a posição do educador seja em favor dos oprimidos, não por uma questão de caridade, mas de identidade de classe, já que a luta maior é a mesma. Qual é a função do educador como intelectual comprometido com a transformação social?

Gramsci afirma que o povo sente, mas nem sempre compreende e sabe; o intelectual sabe, mas nem sempre compreende e muito menos sente. Por isso, o trabalho intelectual é similar a um cimento, a partir do qual as pessoas se unem em grupos e constroem alternativas de mudança. Mas isso não é nada fácil: assumir a condição de intelectuais orgânicos dos trabalhadores significa lutar contra o contexto dominante que se apresenta e visualizar perspectivas de superação coletiva sem exclusão. Entender bem a realidade parece ser o primeiro passo no desafio da construção de uma nova perspectiva social. Que realidade é essa que se apresenta para a educação?

2. A crise do capitalismo e da ideologia liberal

O atual contexto traz algumas novidades e um conjunto de elementos já presentes há muito tempo no capitalismo, ambos tentando se articular coerentemente, embora as contradições estejam cada vez mais explícitas. Em termos de estrutura social, vigora a manutenção da sociedade burguesa, com suas características básicas:

a) trabalho como mercadoria;

b) propriedade privada;

c) controle do excedente econômico;

d) mercado como centro da sociedade;

e) apartheid, exclusão da maioria;

f) escola dividida para cada tipo social.

Porém, a novidade, em termos estruturais, é que a ordem burguesa está sem alternativa, ou seja, o capitalismo prova sua ineficácia generalizada e a crise apresentada revela seu caráter endógeno, ou seja, o capitalismo demonstra explicitamente ser o gerador de seus próprios problemas. Se o mercado é a causa da crise e se boa parte das soluções apresentadas para enfrentar esta crise prevê a ampliação do espaço do mercado na sociedade, a tendência é que os problemas sejam agravados.

O fracasso do capitalismo se comprova internamente, principalmente nos países mais pobres. Além disso, o auge do neoliberalismo da década de 90 mostra suas limitações e começa a ser rejeitado em todo o mundo. Entretanto, os neoliberais, embora a maioria não se assuma como tal, usam a estratégia de atacar quem se propõe a explicitar o que ficou evidente: “Além do ataque à esquerda, como que responsabilizando os outros pelo seu próprio fracasso, alguns liberais têm se manifestado através de artigos na imprensa, afirmando que as pessoas ‘de forma pobre e maniqueísta culpam o neoliberalismo e o FMI pela miséria brasileira’. Ora, será que a culpa seria do PT, da CUT, do MST, da intelectualidade e do povo brasileiro?” (no período até 2002 estes eram oposição ao governo).

Nem mesmo crescimentos econômicos, suposta virtude da qual os intelectuais burgueses ainda se vangloriavam, o capitalismo consegue proporcionar. Conforme o economista João Machado, a economia mundial que se mantinha num crescimento de 4% na década de 60, chegou ao final da década de 90 com apenas 1%. O custo social, por sua vez, é catastrófico: a) as diferenças entre países ricos e pobres têm aumentado em 110 vezes, desde a 2ª. Guerra Mundial até a década de 90; b) aumenta consideravelmente a distância entre ricos e pobres dentro dos países; c) a crise ecológica vem sendo agravada, com a poluição das águas e diversos recursos naturais essenciais à produção. Há uma clara incompatibilidade entre a ordem burguesa e a noção de progresso civilizatório.

De maneira mais conjuntural as principais características são as seguintes:

a) Crise do trabalho assalariado, com acentuada precarização nas relações de trabalho;

b) Mito da irreversibilidade da globalização, com forte carga de fatalismo;

c) Mundo unitário sem identidade, trazendo à tona a fragmentação, também no que se refere ao conhecimento;

d) Retorno de “velhas utopias”, principalmente na política, economia e religião;

e) Despolitização das relações sociais;

f) Acento na competitividade com a perspectiva de que alguns se salvam já que não dá para todos.

Nessa realidade está inserida a educação, como um espaço de disputa de projetos antagônicos: liberal X democrático-popular. Por um lado, o caos da ditadura do mercado como regulador das relações humanas e, por outro, a tentativa de manter a democracia como valor universal e a solidariedade como base da utopia socialista.

3. A educação neoliberal

Do ponto de vista liberal, a educação ocupa um lugar central na sociedade e, por isso, precisa ser incentivada. De acordo com o Banco Mundial são duas as tarefas relevantes ao capital que estão colocadas para a educação:

a) ampliar o mercado consumidor, apostando na educação como geradora de trabalho, consumo e cidadania (incluir mais pessoas como consumidoras);

b) gerar estabilidade política nos países com a subordinação dos processos educativos aos interesses da reprodução das relações sociais capitalistas (garantir governabilidade).

Para quem duvida da priorização da educação nos países pobres, observe o seguinte trecho do vice-presidente do Banco Mundial:

“Para nós, não há maior prioridade na América Latina do que a educação. entre 1987 e 1992 nosso programa anual de empréstimos para a educação na América Latina e o Caribe aumentou de 85 para 780 milhões de dólares, e antecipamos outro aumento para 1 bilhão em 1994”. Porém, não vamos nos iludir pensando que a grande tarefa dos mecanismos internacionais a serviço do capital é financiar a educação. Conforme análise de Sérgio Haddad, o principal meio de intervenção é a pressão sobre países devedores e a imposição de suas “assessorias”: “A contribuição mais importante do Banco Mundial deve ser seu trabalho de assessoria, concebido para ajudar os governos a desenvolver políticas educativas adequadas às especificidades de seus países. (...) O Banco Mundial é a principal fonte de assessoramento da política educativa, e outras agências seguem cada vez mais sua liderança”.

É evidente que a preocupação do capital não é gratuita. Existe uma coerência do discurso liberal sobre a educação no sentido de entendê-la como “definidora da competitividade entre as nações” e por se constituir numa condição de empregabilidade em períodos de crise econômica. Como para os liberais está dado o fato de que todos não conseguirão “vencer”, importa então impregnar a cultura do povo com a ideologia da competição e valorizar os poucos que conseguem se adaptar à lógica excludente, o que é considerado um “incentivo à livre iniciativa e ao desenvolvimento da criatividade”. Mas, e o que fazer com os “perdedores”? Conforme o Prof. Roberto Lehrer (UFRJ), o próprio Banco Mundial tem declarado explicitamente que “as pessoas pobres precisam ser ajudadas, senão ficarão zangadas”. Essa interpretação é precisa com o que o próprio Banco tem apresentado oficialmente como preocupação nos países pobres: “a pobreza urbana será o problema mais importante e mais explosivo do próximo século do ponto de vista político”.

Os reflexos diretos esperados pelo grande capital a partir de sua intervenção nas políticas educacionais dos países pobres, em linhas gerais, são os seguintes:

a) garantir governabilidade (condições para o desenvolvimento dos negócios) e segurança nos países “perdedores”;

b) quebrar a inércia que mantém o atraso nos países do chamado “Terceiro Mundo”;

c) construir um caráter internacionalista das políticas públicas com a ação direta e o controle dos Estados Unidos;

d) estabelecer um corte significativo na produção do conhecimento nesses países;

e) incentivar a exclusão de disciplinas científicas, priorizando o ensino elementar e profissionalizante.

Mas, é evidente que parte do resultado esperado por parte de quem encaminha as políticas educacionais de forma global fica frustrada por que sua eficácia depende muito da aceitação ou não de lideranças políticas locais e, principalmente, dos educadores. A interferência de oposições locais ao projeto neoliberal na educação é o que de mais decisivo se possui na atual conjuntura em termos de resistência e, se a crítica for consistente, este será um passo significativo em direção à construção de um outro rumo, apesar do “massacre ideológico” a que os trabalhadores têm sido submetidos durante a última década.

Em função dessa conjuntura política desfavorável, podemos afirmar que, em termos genéricos, as maiores alterações que ultimamente tem sido previstas estão chegando às escolas e, muitas vezes, tem sido aceitas sem maiores discussões a seu respeito, impedindo uma efetiva contraposição. Por isso, vamos apresentar, em grandes eixos, o que mais claramente podemos apontar como conseqüências do neoliberalismo na educação:

1- Menos recursos, por dois motivos principais:

a) diminuição da arrecadação (através de isenções, incentivos, sonegação...);

b) não aplicação dos recursos e descumprimento de leis;

2- Prioridade no Ensino Fundamental, como responsabilidade dos Estados e Municípios (a Educação Infantil é delegada aos municípios);

3 - O rápido e barato é apresentado como critério de eficiência;

4 - Formação menos abrangente e mais profissionalizante;

5 - A maior marca da subordinação profissionalizante é a reforma do ensino médio e profissionalizante;

6- Privatização do ensino;

7- Municipalização e “escolarização” do ensino, com o Estado repassando adiante sua responsabilidade (os custos são repassados às prefeituras e às próprias escolas);

8- Aceleração da aprovação para desocupar vagas, tendo o agravante da menor qualidade;

9- Aumento de matrículas, como jogo de marketing (são feitas apenas mais inscrições, pois não há estrutura efetiva para novas vagas);

10- A sociedade civil deve adotar os “órfãos” do Estado (por exemplo, o programa “Amigos da Escola”). Se as pessoas não tiverem acesso à escola a culpa é colocada na sociedade que “não se organizou”, isentando, assim, o governo de sua responsabilidade com a educação;

11- O Ensino Médio dividido entre educação regular e profissionalizante, com a tendência de priorizar este último: “mais ‘mão-de-obra’ e menos consciência crítica”;.

12- A autonomia é apenas administrativa. As avaliações, livros didáticos, currículos, programas, conteúdos, cursos de formação, critérios de “controle” e fiscalização, continuam dirigidos e centralizados. Mas, no que se refere à parte financeira (como infra-estrutura, merenda, transporte), passa a ser descentralizada;

13- Produtividade e eficiência empresarial (máximo resultado com o menor custo): não interessa o conhecimento crítico;

14- Nova linguagem, com a utilização de termos neoliberais na educação;

15 - Modismo da qualidade total (no estilo das empresas privadas) na escola pública, a partir de 1980;

16- Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) são ambíguos (possuem 2 visões contraditórias), pois se, por um lado, aparece uma preocupação com as questões sociais, com a presença dos temas transversais como proposta pedagógica e a participação de intelectuais progressistas, por outro, há todo um caráter de adequação ao sistema de qualidade total e a retirada do Estado. É importante recordar que os PCNs surgiram já no início do 1º mandato de FHC, quando foi reunido um grupo de intelectuais da Espanha, Chile, Argentina, Bolívia e outros países que já tinham realizado suas reformas neoliberais, para iniciar esse processo no Brasil. A parte considerada progressista não funciona, já que a proposta não vem acompanhada de políticas que assegurem sua efetiva implantação, ficando na dependência das instâncias da sociedade civil e dos próprios professores.

17- Mudança do termo “igualdade social” para “eqüidade social”, ou seja, não há mais a preocupação com a igualdade como direito de todos, mas somente a “amenização” da desigualdade;

18 - Privatização das Universidades;

19 – Nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) determinando as competências da federação, transferindo responsabilidades aos Estados e Municípios;

20 - Parcerias com a sociedade civil (empresas privadas e organizações sociais).

Diante da análise anterior, a atuação coerente e socialmente comprometida na educação parece cada vez mais difícil, tendo em vista que a causa dos problemas está longe e, ao mesmo tempo, dispersa em ações locais. A tarefa de educar, em nosso tempo, implica em conseguir pensar e agir localmente e globalmente, o que carece da interação coletiva dos educadores e, segundo Philippe Perrenoud, da Universidade de Genebra, “o professor que não se preparar para intervir na discussão global, não é um ator coletivo”. Além disso, a produção teórica só tem sentido se for feita sobre a prática, com vistas a transformá-la. Portanto, para que haja condições efetivas de construir uma escola transformadora, numa sociedade transformadora, é necessária a predisposição dos educadores também pela transformação de sua ação educativa e “a prática reflexiva deve deixar de ser um mero discurso ou tema de seminário, ela objetiva a tomada de consciência e organização da prática”.

ANTONIO INÁCIO ANDRIOLI
Doutorando em Ciências Sociais na Universidade de Osnabrück - Alemanha

Entre a herança e a promessa

O Governo Lula e a política educacional

Pablo Gentili

O resultado da eleição presidencial de outubro de 2002 apresentou, no Brasil, uma evidência incontestável: boa parte da sociedade assumia o desafio de uma mudança profunda no rumo das políticas públicas, após uma década de reformas neoliberais que deixaram como legado frustradas promessas de bem-estar. É evidente que a confiança depositada em Luiz Inácio Lula da Silva esteve longe de significar uma adesão orgânica aos princípios ideológicos que marcaram a história do Partido dos Trabalhadores (PT) como organização de esquerda. Entretanto, o voto popular expressou a necessidade de uma virada radical na administração governamental em um dos países mais injustos do planeta. A eleição de um operário metalúrgico, sindicalista, nascido no paupérrimo sertão nordestino e que quase não freqüentou a escola foi, talvez, a maior expressão da mudança cultural ocorrida na sociedade brasileira, perante o esgotamento de um modelo de subdesenvolvimento que, para além da parafernália da propaganda oficial, havia aprofundado a desigualdade e a exclusão. A sociedade brasileira queria mudanças, e Lula parecia ser a pessoa mais indicada para realizá-las.

No Brasil, a década de noventa esteve marcada por um significativo crescimento dos índices de escolaridade. Este crescimento, que começa a se evidenciar no início dos anos setenta, foi insistentemente apresentado pelo governo anterior como uma de suas mais brilhantes conquistas. Sem entrarmos na discussão sobre os méritos que a administração de Fernando Henrique Cardoso e seu Ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, possam ter tido neste processo, o fato é que, estatisticamente, os anos que precederam a chegada de Lula ao poder expressaram uma profunda mudança nas oportunidades educacionais de um significativo número de brasileiros. De fato, a taxa de analfabetismo que era de 25,4% no início dos anos oitenta, vinte anos depois havia sido reduzida para menos da metade. Entre o início da década de setenta e o fim dos anos noventa, duplicou-se o número de matrículas no ensino fundamental obrigatório (de 7 a 14 anos), passando de 18,4 milhões para 35,8 milhões, quase a totalidade dos meninos e meninas em idade escolar. Neste mesmo período, o ensino médio (de 15 a 17 anos) cresceu mais de cinco vezes, passando de 1,3 milhão para 7 milhões, dado que se torna ainda mais relevante diante da desaceleração do crescimento populacional ocorrido entre 1970 e 2000. (Hasenbalg, 2003) No final do século XX, boa parte dos setores sociais tradicionalmente excluídos da escola estava, pelo menos formalmente, matriculado em uma instituição educativa.

Por outro lado, o governo anterior também havia implementado uma ambiciosa e extensa reforma educacional. A lei geral da educação foi modificada em 1996, desenvolveu-se um amplo processo de avaliação do sistema escolar em todos os seus níveis, mudaram os currículos e promoveu-se uma rigorosa política de ajuste das universidades públicas que repercutiu no sistema científico tecnológico nacional. Entre outras medidas, também se instituiu um fundo de recursos para a valorização do magistério. (Portella de Oliveira & Adrião, 2002)

Contudo, apesar do caráter positivo de algumas destas mudanças, o novo governo petista, ao assumir, não deixava de reconhecer os desafios que estava herdando. Desafios que apareciam de forma clara no documento técnico fundamental elaborado pela equipe de campanha da futura administração — Uma escola do tamanho do Brasil —, e também nos numerosos textos, manifestos e contribuições programáticos produzidos pelos movimentos sociais e populares que, de Norte a Sul do país, deram base de sustentação à proposta eleitoral do PT.

No Brasil de hoje, há um déficit estimado de 13 milhões de vagas para a educação infantil (até 6 anos), 2,7 milhões para o ensino fundamental (7 a 14 anos) e 2,1 milhões para o ensino médio (15 a 17 anos). Isto supõe um déficit de 684.210 docentes no nível inicial, 158.823 no primário e 115.789 no secundário.

Ainda que o sistema escolar brasileiro tenha se “democratizado”, faltam-lhe nada menos que 958.822 novos docentes para atender a demanda educacional existente. (Partido dos Trabalhadores, 2002)

Neste mesmo sentido, e na contramão dos alardes publicitários da gestão anterior, as diferenças regionais e certas especificidades na construção da desigualdade social brasileira, permite ponderar de maneira diferente os avanços da década de noventa em matéria de democratização educacional. Mostra-se evidente que os estados e municípios mais pobres possuem, de modo geral, uma educação mais pobre. Ao mesmo tempo, tanto nestes como em todos os estados e municípios, certos setores sociais possuem uma educação mais pobre do que a dos demais. Entre a população negra, por exemplo, a taxa de analfabetismo é duplamente maior do que entre a população branca. Mesmo com 47% da população brasileira composta por negros, no Brasil, quase 83% dos que possuem diploma universitário são brancos. (Paixão, 2003) A desigualdade educacional se funde e confunde assim com uma brutal discriminação racial que marca o passado e o presente da sociedade brasileira.

É esta a herança que o governo Lula recebe. Uma herança de desigualdades seculares, intensificadas ou cristalizadas por uma década de reformas neoliberais. Um país com uma dívida social incomensurável. Um conjunto de dívidas financeiras de origem duvidosa e com possibilidades de pagamento não menos duvidosas. Uma dívida externa que se duplicou na década de noventa e que consome quase um terço dos gastos totais do governo no pagamento de seus juros. Uma série de compromissos fiscais tirânicos e uma dívida interna, em matéria de financiamento educacional, cujo montante não para de crescer.

Plano de Desenvolvimento da Educação?

Uma educação básica de qualidade. Essa é a prioridade do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Investir na educação básica significa investir na educação profissional e na educação superior, porque elas estão ligadas, direta ou indiretamente. Significa também envolver todos, pais, alunos, professores e gestores, em iniciativas que busquem o sucesso e a permanência do aluno na escola.

Com o PDE, o Ministério da Educação pretende mostrar à sociedade tudo o que se passa dentro e fora da escola, realizando uma grande prestação de contas. Se as iniciativas do MEC não chegarem à sala de aula e beneficiarem a criança, não se conseguirá atingir a qualidade que se deseja à educação brasileira. Por isso, é importante a participação de toda a sociedade no processo.

O Compromisso Todos pela Educação deu o impulso a essa ampla mobilização social. Além dele, outra medida adotada pelo governo federal é a criação de uma avaliação para crianças dos seis aos oito anos de idade. O objetivo é verificar a qualidade do processo de alfabetização dos alunos no momento em que ainda é possível corrigir distorções e salvar o futuro escolar da criança.

A alfabetização de jovens e adultos também receberá atenção especial. O Programa Brasil Alfabetizado, criado pelo MEC para atender os brasileiros com dificuldades de escrita e leitura ou que nunca freqüentaram uma escola, está recebendo alterações para melhorar seus resultados. Entre as mudanças, estão a ampliação de turmas nas regiões do interior do país, onde reside a maior parte das pessoas sem escolaridade, e a produção de material didático específico para esse público. Hoje, há poucos livros produzidos em benefício do público adulto que está aprendendo a ler e a fazer cálculos.

A criação de um piso salarial nacional dos professores (atualmente, mais de 50% desses profissionais ganham menos de R$ 800,00 por 40 horas de trabalho); a ampliação do acesso dos educadores à universidade; a instalação de laboratórios de informática em escolas rurais; a realização de uma Olimpíada de Língua Portuguesa, como a já existente Olimpíada de Matemática; garantia de acesso à energia elétrica para todas as escolas públicas; melhorias no transporte escolar para os alunos residentes em áreas rurais e a qualificação da saúde do estudante são outras ações desenvolvidas dentro do PDE.

Na educação profissional, a principal iniciativa do PDE é a criação dos institutos federais de educação profissional, científica e tecnológica. A intenção é que essas instituições funcionem como centros de excelência na formação de profissionais para as mais diversas áreas da economia e de professores para a escola pública. Os institutos serão instalados em cidades de referência regional, para que contribuam para o desenvolvimento das comunidades próximas e ajudem a resolver a falta de professores em disciplinas como física, química e biologia.

O PDE inclui metas de qualidade para a educação básica. Isso contribui para que as escolas e secretarias de Educação se organizem para o atendimento dos alunos. Também cria uma base sobre a qual as famílias podem se apoiar para exigir uma educação de maior qualidade. O plano prevê ainda acompanhamento e assessoria aos municípios com baixos indicadores de ensino.

Para que todos esses objetivos sejam alcançados, é necessária a participação da sociedade. Tanto é que ex-ministros da Educação, professores e pesquisadores de diferentes áreas do ensino foram convidados a contribuir para a construção do plano.

Para se resolver a enorme dívida que o Brasil tem com a educação, o PDE não pode ser apenas um projeto do governo federal. Tem que ser um projeto de todos os brasileiros.

Presidente destaca ProUni e expansão dos ensinos superior e técnico

28/02/2008 19:51:01

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta quinta-feira, 28, que a expansão de vagas no ensino superior e na educação profissional e tecnológica representa revoluções na educação brasileira. O presidente destacou o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), durante visita à futura sede do pólo universitário de Quixadá (CE). O presidente estava no município para o lançamento do programa Territórios da Cidadania no Ceará.

“É quase proibido a uma grande parte da juventude estudar”, disse Lula. Para o presidente, os jovens de baixa renda encontram dificuldades para conseguir uma vaga em universidades federais e acabam tendo de pagar caro para realizar os estudos em instituições privadas. Por isso, o presidente considera o ProUni, em que são concedidas bolsas a alunos de baixa renda, “uma pequena revolução na educação”.

O presidente lembrou que há mais de 300 mil alunos bolsistas do ProUni. “Queremos chegar, até 2010, a 400 mil alunos da periferia e das escolas públicas”. Assim como o ProUni, o presidente definiu como revolucionário o Reuni – programa que ampliará as vagas nas universidades federais já existentes, com medidas como o aumento da relação professor/aluno e a abertura de cursos noturnos.

Hoje, a média de alunos por professor na universidade federal é de cerca de dez alunos por professor. “Nós queremos aumentar para 18 e, em quatro anos, vamos colocar 400 mil jovens a mais nas universidades públicas federais brasileiras, que é a segunda revolução na educação”, afirmou Lula.

A terceira revolução, de acordo com o presidente, são a expansão das universidades federais – serão dez novas universidades e 48 extensões até 2010 – e a expansão da rede federal de educação profissional e tecnológica. A meta é chegar a 2010 com 354 escolas técnicas. “Em 93 anos foram construídas 140 [escolas]. Nós, em oito anos, vamos construir 214 escolas neste país”, destacou.

Para Lula, não faltarão recursos ou vontade política para concluir as ações que buscam ampliar o acesso à educação profissional e tecnológica e ao ensino superior. “Tem o dinheiro, tem a vontade política do presidente, tem a decisão do ministro da Educação, tem a vontade do povo brasileiro”, disse. “Vamos fazer isso porque compreendemos que sem formar a nossa juventude, sem aumentar o nível de escolaridade e de conhecimento do nosso povo, a gente não dá o salto de qualidade que o Brasil precisa”, completou o presidente.

Maria Clara Machado

MATERIA DA REVISTA ÉPOCA

(Ed. 509 - 18/02/2008)

Reprovado!

Os mais novos números da educação mostram que não dá mais para esperar. É preciso ter o mesmo senso de urgência que houve para enfrentar a inflação

Ana Aranha, Paloma Cotes e Solange Azevedo

DECADÊNCIA Depredação na escola Carlos Ayres, periferia de São Paulo. As notas no Estado apresentaram uma das quedas mais acentuadas do país

Virou clichê a afirmação de que a educação brasileira é uma peça de má qualidade. Os alunos são desmotivados, os professores despreparados, as escolas precárias. O que ninguém esperava é que esse quadro desolador ainda pudesse piorar. Essa é a notícia trágica contida na divulgação, na semana passada, dos resultados de 2005 do Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb). Trata-se do exame do Ministério da Educação que testa os conhecimentos de Português e Matemática dos alunos de 4a e 8a séries do ensino fundamental e 3o ano do ensino médio. Na comparação com 1995, os estudantes brasileiros, em todas as séries, têm desempenho pior que há dez anos (leia o quadro).

Em Matemática, os alunos da 4a série, numa escala de 0 a 500, tiraram nota média 182. Isso significa que, além de dificuldades em somar, multiplicar, subtrair e dividir, eles não sabem sequer ver as horas em um relógio de ponteiros. Em Português, os alunos da 8a série alcançaram 232 pontos. O mínimo aceitável para essa etapa da vida escolar seriam 300 pontos. O resultado mostra que o aluno médio, aos 14 anos, tem sérios problemas de compreensão de texto. Em 1995, a nota já estava abaixo do aceitável, mas era 24 pontos acima. No mundo da globalização, da competição e da tecnologia, em que o domínio do conhecimento é vital para a sobrevivência das nações, o Brasil parece desaprender o pouco que sabia. O que deu errado nos últimos dez anos?

O governo tentou embalar os péssimos resultados numa boa notícia. A queda do desempenho educacional estaria relacionada à entrada de mais alunos nas escolas. "Houve uma expansão de vagas, e o número de alunos do ensino médio quase dobrou", afirma Reynaldo Fernandes, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao MEC. "Uma das hipóteses é que as escolas não estavam prontas para essa demanda."

O argumento oficial não serve de justificativa. Desde o fim da década de 90, o Brasil já alcançou no ensino fundamental a meta de colocar nas escolas praticamente todas as crianças entre 7 e 14 anos. Hoje, nessa faixa etária, o índice de matrícula está em 97%. "Se houvesse uma queda nas avaliações em dois, três anos, seria possível acreditar na tese do quanto mais, pior. Mas, em dez anos, é impossível", afirma Ilona Becskeházy, diretora-executiva da Fundação Lemann, um dos principais centros de pesquisas em educação do país. "Ninguém sabia que um dia essas pessoas iriam entrar na escola? E que elas vinham das camadas mais carentes da população?" A tese da queda de qualidade no ensino por causa da ampliação do acesso às escolas fica ainda mais frágil no ensino médio. Houve expansão das matrículas, mas 18% dos alunos com idade para freqüentá-lo estão fora da escola.

Alunos da 4a série não sabem ler as horas em relógio de ponteiros e têm dificuldade de fazer contas de somar e subtrair

Outras estatísticas mostram causas mais profundas para o fraco desempenho. A taxa de reprovação no ensino fundamental é de 13% em todo o país. É comum encontrar alunos com idade acima de sua série - 46% no ensino médio. E, de cada dez que entram na escola, apenas três terminam os estudos. Esses números mostram como faltam ao país tanto políticas de investimento na melhora da formação e da prática dos professores como de gestão dos recursos aplicados em educação.

Não há nas salas de aulas uma cultura de cobrança de metas e de resultados de aprendizagem dos alunos. "Para resolver o problema da educação no Brasil, é preciso organizar a gestão das escolas, fixar metas e monitorar o trabalho com medidas corretivas", diz Vera Masagão, coordenadora de programas da ONG Ação Educativa. "Hoje, se um professor fica dez anos sem alfabetizar nenhum aluno, nada acontece. Ele vai ficar mais dez."

Um exemplo do problema de gestão da política educacional se dá em São Paulo - o Estado brasileiro com a economia mais rica e diversificada do país. Segundo o Saeb, uma das maiores quedas de desempenho na década, tanto em Português como em Matemática, se deu entre os estudantes de 8a série das escolas paulistas. Especialistas apontam como uma das causas a má aplicação do sistema de progressão continuada. Por esse sistema, avalia-se o aluno a cada quatro anos. "Ele é ótimo, mas faltou capacitação dos professores e investimento na recuperação dos alunos", diz Maria Alice Setubal, fundadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Cultura (Cenpec). Da forma como foi implantada, dizem os especialistas, a progressão continuada virou "aprovação automática": os alunos passam de ano sem avaliação.

Outro nó da educação brasileira é político. Países como Coréia do Sul e Chile deram saltos de qualidade em educação e agora recolhem os dividendos econômicos. A experiência deles ensina que não há soluções mágicas nem atalho. O avanço exige prioridades claras e consistência na implantação de uma política educacional de Estado, por várias décadas - ao longo de diversos governos. No Brasil, a praxe é o governante querer imprimir sua marca, em vez de continuar o que está sendo feito. Um exemplo é o governo Lula. Nos quatro primeiros anos de mandato, teve três ministros. O primeiro, Cristovam Buarque, defendia um plano nacional de alfabetização. O segundo, Tarso Genro, levantou a causa da reforma universitária. O terceiro, Fernando Haddad, elegeu (corretamente) a educação básica como foco.

BOM EXEMPLO O Chile deu bolsas de estudo aos professores, informatizou as escolas e reduziu o analfabetismo para 3,5%. No Brasil, a taxa é de 12,6%

Na semana passada, Haddad anunciou para breve o lançamento de um plano educacional. Mas nem ele tem certeza se sobreviverá à anunciada reforma ministerial do presidente. O problema da descontinuidade é suprapartidário. Os programas bem-sucedidos não se salvam nem quando a troca de comando se dá no mesmo partido. Neste ano, o governador de São Paulo, José Serra, reduziu à metade o número de escolas públicas que abriam no fim de semana, que buscavam maior integração com a comunidade. O programa era a vitrine de Geraldo Alckmin, seu antecessor e colega do PSDB.

Esse ziguezague revela como a prioridade à educação, na prática, não saiu do discurso. O descaso é histórico. Um exemplo: a primeira universidade brasileira - hoje, a Universidade Federal do Rio de Janeiro - só foi criada em 1920. Quase um século depois da independência do país e mais de 300 anos após a fundação da primeira instituição de ensino superior na América Latina, a San Marcos, no Peru. Hoje, a questão cultural ainda é um fator de atraso. Em uma pesquisa realizada em 2005 pelo Ministério da Educação entre 10 mil pais de alunos da rede pública, o uniforme, a autoridade dos professores e a segurança encabeçavam as preocupações - acima da qualidade. Como a maioria dos pais dos alunos também não teve ensino de qualidade, eles não sabem o que cobrar.

"A educação atravessa uma crise profunda. Ao contrário dos outros países, o Brasil demorou a acordar para o problema", afirma Célio da Cunha, especialista em educação da Unesco, o organismo das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura. Segundo Cunha, é preciso dar urgência ao combate da crise do setor - da mesma forma como o país enfrentou a hiperinflação na década de 90. "A educação tem de ser pensada como a economia, em que o governo determina o superávit, monitora, reajusta, intervém se for preciso", diz. "É hora de fazer uma autocrítica e, quem sabe, estabelecer um pacto nacional." Foi assim que a Coréia do Sul reverteu péssimas estatísticas. Ao final da Segunda Guerra Mundial, o governo investiu pesadamente em treinamento de professores, distribuição de livros nas escolas e alfabetização de adultos.

O número de alunos no ensino superior saltou de 8 mil para 3,5 milhões. Na década de 60, o PIB per capita sul-coreano era metade do brasileiro. Hoje, é o dobro. No Chile, a universalização do ensino aconteceu no governo Pinochet. Em 1990, foram oferecidas bolsas de especialização para professores no exterior e as escolas foram informatizadas. Lá, a taxa de analfabetismo é de 3,5%. Aqui, passa de 12%. A principal lição do Saeb é que não há mais tempo a perder.

QUANTO MAIS, PIOR?
O desempenho dos alunos no Saeb caiu. O governo diz que é porque o número de matrículas aumentou

Desempenho em língua portuguesa

Desempenho em matemática

1- 4a série do ensino fundamental
2- 8a série do ensino fundamental
3- 3a série do ensino médio

Fonte: Inep

Número de matrículas

Fonte: Pnad/IBGRE

O QUE É PRECISO FAZER PARA MUDAR
Algumas medidas que podem melhorar a qualidade da educação brasileira

Política continuada Governos, Estados e municípios devem seguir um projeto de longo prazo, e não apenas os programas de cada gestão

Metas específicas Estabelecer o conteúdo que o aluno deve aprender em cada série

Cultura de cobrança Pais têm de exigir bons resultados dos professores e governantes devem fazer o mesmo com as escolas

Fiscalização Estados e municípios têm de gerir recursos com eficiência

Capacitação Melhorar a formação dos professores nas universidades

Fim da rotatividade Um professor deve ficar no mínimo três anos na mesma escola. Hoje, alguns trocam mais de uma vez ao ano

Não ao corporativismo Deixar assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais trabalhar dentro da escola

Integração local Adaptar o ensino à realidade da comunidade

Carga horária Assegurar um mínimo de cinco horas de aula por dia

Não à jornada dupla Acabar com o ensino médio noturno, pois o rendimento dos jovens cai à noite

Fonte: Maria do Carmo Brant, coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Cultura (Cenpec)

Foto: Paulo Liebert/AE Foto: La Nación

Referencias Bibliográficas:

ABAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2. ª Ed. Tradução Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 531.

CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. 38.ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 102.

Idem, p. 104-105.

CUNHA, L., A. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro:

Francisco Alves, 1991,p. 233-293.

SAVIANI, D. Escola e Democracia. Campinas: Autores Associados, 2005.

ABAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2. ª Ed. Tradução Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 533.

GADOTTI, Moacir. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. São Paulo: Cortez, 1983, p. 34.

Banco Mundial. Política Urbana y desarollo económico: un programa para el decenio de 1990. Washington, 1991, p. 05

http://www2.ufba.br/~pretto/textos/anped97.htm

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG76363-6009-456,00.html